terça-feira, 24 de março de 2009

As Inconstitucionalidades da Revisão do PDE

Abaixo, texto encaminhado ao Ministério Público pelas entidades, discorre sobre a inconstitucionalidade dessa revisão do Plano Diretor Estratégico, em diversos pontos.

Abaixo, alguns tópicos que tornam este projeto inconstitucional:

A Prefeitura não cumpriu o processo de ampla participação popular exigido pelo Estatuto da Cidade antes do envio do projeto aos vereadores. A ausência de participação popular na revisão do Plano Diretor pode acarretar inclusive as penalidades previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, nos termos do que dispõe o art. 52 do Estatuto da Cidade. Nos processos de revisão dos Planos Diretores deve ser garantida a publicidade através de: (i) ampla comunicação em linguagem acessível nos meios de comunicação de massa (ii) ciência do cronograma, locais de reunião, apresentação de estudos e propostas com antecedência mínima de 15 dias; (iii) publicação e divulgação dos resultados dos debates e propostas adotadas nas diversas etapas do
processo (art. 4°, Resolução 25, Conselho Nacional das Cidades).
O processo apenas prevê formalmente a realização de "plenárias descentralizadas" . No entanto estas reuniões não têm a adequada divulgação ou a disponibilizaçã o de informações que permitam embasar o posicionamento da sociedade civil. Neste contexto de deliberada desinformação e desorganização só pode prevalecer o caos ou o acobertamento interesses escusos não confessáveis em ambiente público. Estas plenárias cumprem apenas um papel burocrático, servindo apenas para referendar, sem possibilidade real de deliberação sobre o amplo conjunto de alterações propostas.
Dos cerca de 43 Instrumentos Normativos Previstos no PDE, apenas 6 foram implementados, sendo que permanecem cerca de 37 sem regulamentação. Sua não implementação demonstra o pouco interesse do executivo em implementar a legislação urbanística da cidade. Na proposta de Revisão apresentada por SEMPLA são suprimidos sem nenhuma explicação ou avaliação todos os artigos relativos à políticas públicas, em especial no TÍTULO II - DAS POLÍTICAS PÚBLICAS:
OBJETIVOS, DIRETRIZES E AÇÕES ESTRATÉGICAS - do artigo 15 em diante
do CAPÍTULO I .
Assim são suprimidas as Diretrizes, Objetivos e Ações Estratégicas das áreas de do Desenvolvimento Econômico e Social, Turismo, Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida, Trabalho, Emprego e Renda, da Educação, da Saúde, Assistência Social, Cultura, Esportes, Lazer e Recreação, Segurança Urbana, Abastecimento, Agricultura Urbana.
A supressão desses artigos afrontam a Lei Orgânica e a Lei do PDE pois retiram-se de roldão todas as "demais políticas públicas que excedem o âmbito da fixação da política de desenvolvimento urbano, no aspecto da ordenação físico-territorial e cumprimento das funções
sociais da cidade, que regem-se pelas disposições da Lei Orgânica do Município" (Art. 19 da Minuta de Revisão do PDE). O que se vê é a redução de áreas destinadas à habitação popular, a
alteração de índices urbanísticos, coeficientes de aproveitamento, recuos, gabaritos de edificações sem debate público e controle social, chegando a infringir dispositivos do Estatuto da Cidade, tal como a obrigatoriedade de reassentar os moradores de baixa renda removidos de áreas de Operações urbanas em áreas desta mesma Operação, retirando componentes como o "direito à terra urbana" contido no conceito de direito á cidade sustentável definido no Estatuto da Cidade. Atém mesmo disposições do Estatuto dos Idosos, a proposta de revisão da Prefeitura retira, contida no plano vigente como "previsão de reserva de parcela das unidades habitacionais para atendimento dos idosos", uma das ações estratégicas da Política Habitacional.
O processo de revisão possui, claramente, dois objetivos (de acordo com o artigo 293 do PDE vigente):
1. O de promover adequações, devendo esta ser entendida como correções e aprimoramentos da lei para atingir os objetivos definidos no capítulo II "Dos princípios e objetivos gerais do Plano Diretor Estratégico", do Título I, que trata da "Conceituação, finalidade, abrangência e objetivos gerais do plano diretor estratégico".
As adequações da revisão do Plano Diretor se restringem as "ações estratégicas" de acordo com o 'caput' do artigo 293. As ações estratégicas estão previstas no Título II do Plano Diretor estratégico em vigor, Lei Municipal nº 13.430/2002, que trata "Das Políticas Públicas: Diretrizes e Ações Estratégicas".
Desta forma, as adequações possíveis na revisão em comento devem restringir-se ao aprimoramento e correções do Título II, que é integrado pelos seguintes capítulos:
- Do Desenvolvimento Econômico Social (cap. I)
- Do Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida (cap. II)
- Do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Urbano (cap. III)
2. O de promover acréscimo de áreas passiveis de aplicação dos instrumentos previstos na Lei Federal nº 10.257/2001 - Estatuto da Cidade e previsto no Plano Diretor vigente, quais sejam:
- os instrumentos de ordenação territorial (cap. II, Título III).
- os Instrumentos de Gestão Urbana e Ambiental (cap. III, Título III).
- os Instrumentos de Gestão democrática (Título IV).
Não há qualquer obrigatoriedade de revisão dos Planos Regionais e Lei de Uso e Ocupação do Solo concomitantemente à revisão do Plano Diretor, pelo contrário, querer proceder a revisão deste conjunto de leis ao mesmo tempo, impossibilita a participação da sociedade civil em todos esses processos de discussão pública e definição do futuro da cidade.


Na manifestação do defensor Carlos Loureiro na ação civil pública foram enumerados uma série de argumentos que demonstram a necessidade de mais debate sobre o tema:

1) O processo participativo foi coordenado pelo próprio governo, quando deveria ter sido por um órgão com representantes da sociedade civil;

2) A convocação para as audiências públicas, embora realizada com 15 dias de antecedência, se deu apenas por jornais e em uma só oportunidade, o que não é suficiente para atingir toda a população da cidade;

3) Não houve publicação, nem divulgação dos resultados dos debates e das propostas que teriam sido acolhidas e/ou rejeitadas em cada uma das audiências públicas gerais e regionais;

4) A organização do processo participativo se deu apenas por divisão territorial, desprezando- se outros critérios como segmentos sociais (mulheres, indígenas, pessoas com necessidades especiais, entre outros) ou temas de política pública, como saúde, educação, transporte
etc;

5) O processo participativo de revisão do plano diretor não foi articulado com o planejamento orçamentário da cidade, o que impede saber se haverá verbas suficientes para cumprimento das alterações realizadas;

6) Não houve nenhuma ação de sensibilização, mobilização e capacitação da população da cidade, que é necessária para que o cidadão possa compreender o planejamento urbano e participar.

Moradores do parque Cocaia I paralisam avenida no Grajaú

Cerca de 250 pessoas obstruíram a Av. Belmira Marim, no Grajaú; moradores cobram ações da Prefeitura e denunciam cheque-despejo

por Jonathan Constantino, no sítio internet do jornal Brasil de Fato
de São Paulo (SP)


Por volta das 10 horas da manhã desta terça-feira (24), cerca de 250 moradores do Parque Cocaia I paralisaram a Avenida Belmira Marim, a principal via da região do Grajaú, no extremo Sul da capital paulista. Os protestos duraram cerca de uma hora. A via foi obstruída por barricadas e houve queima de objetos.

De acordo com lideranças comunitárias, um batalhão da Polícia Militar esteve no local, e o sargento que comandava a ação foi bastante truculento. Não houve confronto, mas foram feitas diversas ameaças para coagir os manifestantes. Após o término da mobilização, os manifestantes seguiram em passeata até a comunidade, que é ao lado da avenida.

Falta de diálogo

Maria Gorete Barbosa, líder comunitária, disse que o objetivo da mobilização era chamar a atenção das autoridades municipal e estadual para buscar um canal de negociação a respeito dos despejos que estão sendo efetuados na região. “Os moradores reivindicam moradia”, disse Maria Gorete. De acordo com ela, há moradores que residem na região há mais de 30 anos. O local possui asfalto, energia elétrica, escola próxima, comércios e, em alguns pontos, rede de esgoto. A Prefeitura, porém, não se propõe a dialogar com a comunidade para encontrar uma solução, restringindo-se a oferecer um cheque-despejo.

“O que dá para fazer com esse dinheiro? Nada, dá no máximo para comprar um barraco em outra favela, na beira de um córrego”, indigna-se.

A Prefeitura não se propõe a dialogar com os moradores e não expõe com transparência seus objetivos, denuncia Gorete. De acordo com a líder, após o carnaval uma equipe foi ao local e fez o cadastro das famílias que moram na região. Os agentes disseram aos moradores que o objetivo era propor melhorias nas condições de vida da população. Em 5 de março, porém, a população local descobriu que o cadastro era uma preparação para o despejo e tinha o objetivo de levantar o nome das pessoas que receberiam o cheque.

Luís*, uma das lideranças da mobilização, salientou que como grande parte das casas é de alvenaria, o valor do cheque-despejo não permite aos moradores se organizarem em outro local, com as mesmas condições. Disse, também, que a Prefeitura não tem um projeto de realocação dessas pessoas.

Segundo Gorete, os moradores que já saíram de suas casas estão fazendo o que podem para se realocar. Alguns foram para a casa de parentes, outros compraram passagens e estão voltando para sua terra de origem. “O que eles querem [a Prefeitura], é deixar a gente num lugar pior do que já está?”, questiona.

O ato desta manhã é parte da resistência dos moradores. De acordo Luís*, cerca de 2 mil famílias moram no Parque Cocaia I. Destas, 250 estão sendo atingidas de imediato.

Luís salienta que, até 2012, o projeto irá interferir em mais 80 comunidades da região. Mas, de acordo com o documento do projeto, não há uma estimativa exata do número de pessoas que serão afetadas. Os dados apontados no documento também são muito imprecisos. “Para você ter ideia, no projeto ao qual tivemos acesso não estava previsto o despejo de nenhuma pessoa onde foram despejasdas essas famílias agora”, conclui

Histórico

Iniciados em 16 de março, os despejos no Parque Cocaia I são parte da execução do Projeto Mananciais, cujo objetivos seriam melhorar as condições dos reservatórios de água da Região Metropolitana de São Paulo e desenvolver políticas adequadas para a gestão das bacias hidrográficas.

Após o carnaval, um grupo designado pela Prefeitura visitou a comunidade e fez a demarcação das casas que precisariam ser despejadas. Em 5 de março, foi realizada uma reunião com a comunidade, que foi comunicada do despejo e aos moradores foram entregues os cheques nominais (cheques-despejo).

“De início, o valor do cheque era R$ 5,8 mil, mas os moradores não aceitaram”, disse. A líder acrescentou ainda que após a recusa dos moradores, a equipe do Consórcio Santa Bárbara que conduzia as negociações, disse que abriria mão de parte do dinheiro a ser recebido pela execução da obra a fim de que se somasse mais R$ 3 mil a quantia destinada a cada família.

A partir da data dessa reunião, os moradores foram comunicados que teriam 10 dias para abandonar suas casas.


link para versão original:

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/moradores-do-parque-cocaia-i-paralisam-avenida-no-grajau

TABACO ENSINA O CAMINHO

por Marcelino de Queiroz
extraído do Livro O Alimento dos Deuses (Terence Mackena)


Enquanto os "iatroquímicos" do grupo de Paracelso disseminavam o uso do ópio na Europa, um exótico recém-chegado entrava silenciosamente no palco europeu. O tabaco foi o primeiro resulta­do, e o mais imediato, da descoberta do Novo Mundo. Em 2 de novembro de 1492, menos de um mês depois de sua primeira chegada ao Novo Mundo, Colombo desembarcou na costa norte de Cuba Ali o Almirante do Mar Oceano despachou dois membros da tripulação, carregados de presentes, para o interior da ilha, onde deveria residir o rei das muitas aldeias costeiras que ele vira. Sem dúvida, ainda havia alguma esperança na mente do almirante de que seus homens voltassem com notícias de ouro, pedras preciosas, madeiras finas e especiarias - a riqueza das Índias. Em vez disso, os batedores voltaram com um relato de homens e mulheres que inseriam parcialmente rolos de folhas acesas nas narinas. Esses rolos acesos eram chamados de tobacos e consistiam em ervas secas enroladas numa folha grande. Eram acesos numa extremidade e as pessoas sugavam na outra e "bebiam a fumaça" , ou inalavam, uma coisa totalmente desconhecida na Europa.
De Ias Casas, bispo de Chiapas, que publicou o relato de Colombo que traz essa descrição, acrescentou a seguinte observa­ção:
Sei de espanhóis que imitam esse costume, e quando repreendi a prática selvagem eles responderam que não ti­nham poder de refrear o hábito. Apesar de os espanhóis ficarem extremamente surpresos com esse costume, ao expe­rimentá-Io eles começaram a imitar o exemplo dos selvagens."
Quatro anos depois da primeira viagem, o eremita Romano Pane, que Colombo deixara no Haiti no final da segunda viagem ao Novo Mundo, descreveu em seu diário o hábito nativo de inalar a fumaça do tabaco com a ajuda de um instrumento feito de osso de pássaro, inserido no nariz e pousado sobre tabaco espalhado sobre um leito de carvões. As conseqüências dessa simples observação etnográfica ainda precisam ser calculadas. Ela introduziu na Europa um meio extremamente eficiente de utilizar drogas - inclusive muitas drogas potencialmente perigosas - no corpo humano. Tomou possível a pandemia do fumo em todo o mundo. Era a rota mais rápida e facilmente abusada para administrar o ópio e o haxixe. E foi o ancestral distante do vício de fumar cocaína em forma de crack e PCP. Além disso, deve ser dito, toma possível o mais profundo dos êxtases induzidos por alucinógenos indóis, a prática raramente encontrada, porém incomparável, de fumar dimetiltrip­tamina.

TABACOS XAMÂNICOS

Fumar tabaco era um hábito disseminado na América do Norte na época do contato com os europeus. Ainda que o hábito de cheirar pós alucinógenos contendo DMT também fosse comum na área cultural caribenha, não há relatórios confirmados de que outros materiais, além do tabaco, fossem fumados.
A alta cultura maia que floresceu até meados do século IX na América Central tinha um relacionamento antigo e complexo com o tabaco e o hábito de fumá-lo. O tabaco dos maias do período clássico era o Nicotiana rustica, ainda usado atualmente entre populações aborígines na América do Sul. Essa espécie é muito mais potente, quimicamente complexa e potencialmente alucinó­gena do que as categorias do Nicotiana tabacum disponíveis hoje em dia. A diferença entre esse tabaco e o cigarro é profunda. Esse tabaco selvagem era curado e enrolado em charutos que eram fumados. O estado semelhante ao transe que se seguia, parcialmen­te sinergizado pela presença de compostos que incluíam inibidores de OMA, era fundamental para o xamanismo dos maias. Antide­pressivos recentemente lançados, do tipo inibidor de OMA, são distantes parentes sintéticos desses compostos naturais. Francis Robicsek publicou vários textos sobre o fascínio maia com o tabaco e sua complexidade química:
Também deve-se reconhecer que a nicotina não é absolu­tamente a única substância bioativa na folha de tabaco. Re­centemente foram isolados alcalóides do grupo da harmala, harmânicos e não-harmânicos, dos tabacos comerciais cura­dos e de sua fumaça. Eles constituem um grupo químico de betacarbolinas que incluem a harmina, a harmaIina, a tetrai­droharmina e a 6-methoxy harmina, todas com propriedades alucinógenas. Ainda que, até agora, nenhuma variedade nati­va de tabaco tenha sido analisada em busca dessas substân­cias, é razoável supor que sua composição possa variar gran­demente, dependendo da variedade e do crescimento, e que alguns tabacos nativos possam contê-Ias numa concentração relativamente alta. 8
O tabaco era e é o adjunto das plantas alucinógenas mais poderosas e visionárias, sempre presente em todos os lugares das Américas em que elas foram usadas de modo tradicional e xamâ­nico. E um dos usos tradicionais do tabaco envolveu a invenção dos primeiros enemas, no Novo Mundo. Peter Furst pesquisou o papel dos enemas e clisteres na medicina e no xamanismo mesoamerica­nos:
Só recentemente veio à luz o fato de que os antigos maias, como os antigos peruanos, empregavam enemas. Descobriu­se que as seringas de enemas, ou clisteres narcóticos, e até mesmo rituais de enemas, foram representados na arte maia, e um exemplo notável é um grande vaso pintado que data de 600-800 A.D., onde um homem é representado segurando uma seringa de enema, aplicando o enema nele mesmo e fazendo uma mulher aplicá-Ia nele. Como resultado dessa cena recém-descoberta, o arqueólogo M. D. Coe pôde identi­ficar como uma seringa de enema, em outro vaso maia pinta­do, um curioso objeto seguro por uma deidade jaguar. Se os enemas dos maias antigos eram, como os dos índios peruanos, intoxicantes ou alucinógenos, eles podem ter consistido em balehé fermentado (hidromel). O balehé é uma bebida muito sagrada, e pode ter sido fortificada com tabaco ou infusões de sementes de ipoméia. Infusões de datura ou até mesmo de cogumelos alucinógenos podiam ser tomadas assim. Claro que eles também podiam ter usado somente uma infusão de tabaco,"

TABACO COMO REMÉDIO DE CHARLATÃES

Qualquer droga que passa a ser utilizada termina inevitavelmente associada a uma quantidade de teorias e tratamentos médicos charlatães. O abuso da cocaína, como veremos, foi precedido pela moda do tônico Vin de Mariani, e a heroína foi louvada como cura para o vício da morfma. Antes de nos afastarmos dos rituais de enemas dos maias, considere que em 1661 o médico dinamarquês Thomas Bartholin recomendava não somente enemas de suco de tabaco mas também enemas de fumaça de tabaco aos seus pacien­tes:
Quem já engoliu tabaco por acidente pode testemunhar seu efeito purgativo. Essa propriedade é empregada no clister de tabaco usado como enema. Meu amado irmão Erasmus mostrou-me o método. A fumaça de dois cachimbos [cheios de tabaco] é soprada nos intestinos. Um instrumento adequa­do para isso foi imaginado pelo engenhoso inglês.'?
Para não ser ultrapassado pelo inteligente inglês, um médico francês do século XVIII chamado Buc'hoz defendia o uso da "insuflação intravaginal de fumaça de tabaco para curar a histeria" .
Independente dessas aplicações excêntricas e exóticas do taba­co, e a despeito do escárnio do clero, o hábito de fumar espalhou-se rapidamente na Europa. Cada droga, durante o processo de intro­dução num novo ambiente cultural, é saudada como uma "droga do amor" , e essa talvez seja a publicidade mais eficiente. Drogas tão diversas como heroína e cocaína, LSD e MDMA foram em algum momento apresentadas como promotoras da intimidade sexual ou psicológica. O tabaco não foi diferente; parte do motivo para sua rápida disseminação foram as invencionices dos marinhei­ros sobre suas notáveis propriedades como afrodisíaco:
Os marinheiros diziam que as mulheres da Nicarágua fumavam essa erva e mostravam um ardor espantoso. Foi provavelmente esse boato que provocou a popularidade do fumo entre as mulheres da Europa. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual um ex-frade franciscano, André Thevet, conseguiu tanto sucesso ao introduzir o tabaco na corte fran­cesa em 1579.11
Thevet pretendia que o tabaco fosse fumado e usado como droga recreativa. Antes disso, o embaixador francês em Portugal, Jean Nicot, tinha experimentado folhas de tabaco picadas em forma de rapé com o objetivo de curar enxaqueca. Em 1560, Nicot levou uma amostra de seu rapé para Catarina de Médici, que sofria de enxaquecas crônicas. A rainha ficou entusiasmada com os poderes da planta, e por algum tempo esta ficou conhecida como "Herba Medicea" ou "Herba Catherinea". O rapé de Nicot era feito da Nicotiana rustica, em geral mais tóxica, o clássico tabaco xamânico dos maias. O Nicotiana tabacum de Thevet conquistou a Europa sob forma de cigarro e foi a planta que se tomou a base para a tremendamente importante economia do tabaco que se desenvolveu no Novo Mundo colonial.

CONTRA O TABACO

o tabaco não foi bem recebido por todos. O papa Urbano ordenou a excomunhão de qualquer pessoa que fumasse ou usasse rapé nas igrejas da Espanha. Em 1650 Inocêncio X proibiu o uso de rapé na basílica de São Pedro, sob pena de excomunhão. Os protestantes também condenavam o novo hábito, e foram liderados em seu esforço por ninguém menos do que o rei Jaime I da Inglaterra, cujo inflamado Counterblaste to Tobacco apareceu em 1604:
E agora, bons cidadãos, vamos (eu vos peço) considerar que tipo de honra ou bom senso pode levar-nos a imitar os índios abjetos, especialmente num costume tão vil e malchei­roso. ( ... ) Digo sem corar, (por que) nos degradamos tanto a ponto de imitar esses índios bestiais, escravos dos espanhóis, refugo do mundo, e até agora estranhos ao sagrado Concilio de Deus? Por que não os imitamos também andando nus como eles fazem? ( ... )
Sim, por que não negamos a Deus e adoramos o Diabo, como eles fazem?
Tendo deslanchado essa retórica "reação contrária", no que pode ser visto como o primeiro pontapé da abordagem do tipo" di não", o rei voltou sua atenção a outros assuntos. Oito anos mais tarde um relatório dizia que apenas na cidade de Londres havia nada menos que sete mil tabacarias e vendedores de tabaco! Fumar tabaco e cheirar rapé aconteciam ao nível de uma mania moderna.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ato denuncia despejo em massa no extremo sul de São Paulo

por Danilo Dara no sítio internet da Agência Brasil de Fato

Seu Irineu chegou a São Paulo, ao bairro do Cocaia, há quase 30 anos, fugindo da seca do sertão pernambucano. Constituiu família, construiu sua casa de alvenaria com suas próprias mãos, o que lhe deixava orgulhoso. Junto à esposa, criou seus oito filhos, “à custa de muito trabalho e sacrifício”. Numa quinta-feira no início de 2009, recebeu a visita de uma pessoa que se dizia assistente social da prefeitura, e que prometia benfeitorias para a comunidade. Seu Irineu conta que ela pegou seu nome, documentos, e “disse que eu devia assinar um cadastro. Era muito simpática a moça, de fala bonita”. Menos de uma semana depois, viu uma agitação, um falatório, uma aglomeração. Aproximou-se, e lá estava a mesma mulher num palanque, dizendo para todas as pessoas, reunidas num campinho de futebol enlameado, que eram obrigadas a deixar suas casas num prazo de dez dias, que eram invasores, que tudo ali seria derrubado. “E como fica nossa situação?”, questionou seu Irineu. “'Um cheque de 8 mil reais: é isso, ou sair sem nada!', foi o que disse amulher”, relembra Irineu. Ele conta ter visto muitos moradores confusos, os quais, com medo, aceitaram o cheque que já vinha com o nome de cada um, assinado pelo “Consórcio Santa Bárbara”. “'A prefeitura queria dar só 5mil, mas a empreiteira deu mais 3 mil para não ter problema; é pegar ou largar!', pressionava a mulher”. Seu Irineu pegou e, cinco dias depois, tinha em mãos diversas passagens rodoviárias: sem alternativa, iria mandar toda sua família de volta para sua terra natal, em Pernambuco. Todos, menos ele, porque o dinheiro não dava para a mudança e passagem de todo mundo. “Vou morar de favor, até conseguir comprar minha passagem”, conclui.

Situação limite

Esta é a situação de milhares de famílias do Cocaia, do Gaivotas, do Cantinho do Céu e de outras tantas comunidades localizadas nos distritos do Grajaú e Capela do Socorro, no extremo sul da zona sul de São Paulo. A grande maioria delas, muito próximas às represas Billings e Guarapiranga. Comunidades constituídas por dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, tendo visto negados os seus direitos mais elementares, desde sempre batalharam pela sobrevivência e por uma vida digna para si e para suas famílias, entre seus bairros periféricos e a busca de perspectivas no centro da cidade. São mulheres, homens, crianças e idosos fadados a uma difícil sina, geralmente demarcada pela origem nordestina e a cor escura da pele: a condenação a diversos tipos de exploração na megalópole paulistana ou, quando deixam de dar lucro às empresas, e a especulação imobiliária torna-se um negócio mais vantajoso na região onde vivem, são expulsos para regiões cada vez mais periféricas e precárias. Em resposta à essa situação, muitos moradores e apoiadores estão fazendo hoje (13) uma manifestação política na Av. Dona Belmira Marin, uma das principais da região, e um ato em frente à Subprefeitura da Capela do Socorro. Parte dessas famílias já havia sido expulsa, nos mesmos termos, das regiões onde se consolidaram as grandes operações urbanas Faria Lima, Vila Olímpia, Águas Espraiadas, localizadas ao longo de todo milionário eixo sudoeste da cidade. Os argumentos geralmente são os mesmos: invasores que não têm direito às suas casas (muitas vezes com décadas e décadas de uso capião), muito menos podem atrapalhar os empreendimentos imobiliários. No caso do extremo sul, a ênfase retórica recai sobre dois outros argumentos, cada vez mais em voga: morar em área de risco e de proteção ambiental. Em relação a esse problema, diversos urbanistas e movimentos sociais da cidade apontam que a solução seria uma verdadeira reforma urbana, com planejamento para a cidade como um todo, investimento em infra-estrutura e habitação social, e não a expulsão das famílias lhes dando em troca um “cheque-despejo” de 5 ou 8 mil reais. Experiências semelhantes demonstraram que, com esse dinheiro, quando muito, ou se consegue adquirir um novo barraco na beira de (outra) represa, numa área mais distante, ou a passagem de ônibus para nova incerteza no norte, deixando para trás a história construída e os direitos conquistados no sul. É o caso de Seu Irineu e família, e de milhares como ele.

Extremo Sul

Segundo o Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CEDECA) de Interlagos, que atua na região, na prática já são mais de mil famílias sendo despejadas pelo programa de urbanização “Programa Mananciais”, em articulação com a “Operação Defesa das Águas”. Em nota, a entidade denuncia: “o referido programa de urbanização, apesar de possuir em seu orçamento verbas para atender a população que precisa ser retirada dos locais onde mora, apresenta como ação concreta apenas o oferecimento de um cheque de oito mil reais como indenização à cada família. (...) O programa prevê intervenção em 80 comunidades da zona sul de São Paulo. Só no Parque Cocaia I, cerca de mil famílias e, pelo menos, três mil pessoas. Entre elas, são muitas as crianças e os adolescentes que serão deixados na rua”. Não é segredo para ninguém que, dentre os principais financiadores da eleição de Gilberto Kassab para a prefeitura de São Paulo, estavam grandes empreiteiras e incorporadoras do setor imobiliário. Uma das últimas etapas para a preparação do terreno, literalmente, dos tais “projetos de urbanização” chegou há cerca de um mês no Parque Cocaia I (na parte chamada Jardim Toca): o ultimato para saída dos barracos. Muitos moradores do bairro receberam um prazo de dez dias para que se retirassem de suas casas. Esse prazo, para muitas dessas famílias, se encerra amanhã, dia 14 de março de 2009.
(Colaboraram Gustavo Mello e Rodrigo Gomes)

link para postagem original:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/agencia/nacional/manifestacao-denuncia-despejo-em-massa-no-extremo-sul-de-sao-paulo

quinta-feira, 5 de março de 2009

Mulheres Pagam Caro pela Crise

por Patrícia Benvenuti no sítio internet do Jornal Brasil de Fato

Junto com negros e mulatos, as mulheres estão entre os segmentos mais afetados pela crise financeira mundial. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na média de 2008, as mulheres representaram 58,1% do total de desempregados. Em dezembro, quando a crise já estava em curso, esse percentual ficou em 58,4%. Em 2003, por exemplo, as mulheres eram 54,6% das pessoas sem postos de trabalho.
Para evitar que não apenas as mulheres, mas que todos os trabalhadores paguem um preço ainda maior pela crise, entidades feministas, sindicais e movimentos sociais escolheram o tema como o principal pilar das lutas do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres. Com o mote "Nós não vamos pagar por esta crise! Mulheres livres! Povos soberanos!", militantes de 40 organizações sairão às ruas no próximo domingo (08), em São Paulo, para protestar contra o modelo capitalista e exigir igualdade de direitos, liberdade e autonomia.

Mais desigualdade
A jornalista Maira Kubik Mano, integrante da Secretaria de Mulheres do Psol/SP, aponta que, historicamente, no capitalismo, as mulheres estão ligadas a condições de trabalho precarizadas, que se refletem em jornadas longas, salários mais baixos e escassos direitos adquiridos. Com a crise, no entanto, a perspectiva é de uma deterioração ainda maior para as trabalhadoras. "Já deveria ter sido mudada essa questão da divisão social do trabalho, e ela se aprofunda com a crise, que atinge primeiro o lado mais frágil da cadeia de produção", analisa.
Nalu Faria, dirigente da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), lembra ainda outra desigualdade relativa à questão de gênero. De acordo com ela, a falta de empregos das mulheres ainda não é encarada com a mesma preocupação que o desemprego dos homens. "Em geral, o desemprego que preocupa as autoridades e os governos é o desemprego masculino. Não se tem a mesma reação com o desemprego das mulheres, que tende inclusive a ser mais invisível", diz.
Além do desemprego e da redução de direitos trabalhistas, a crise gera, para as mulheres, uma sobrecarga de trabalho. De acordo com Maira, o primeiro corte no orçamento doméstico em famílias de classe média e classe média baixa recai em tarefas que a mulher poderia assumir. "Então a mulher volta a tomar conta da casa, volta a tomar conta do filho e fica sobrecarregada em jornadas duplas e triplas de trabalho que já existem mas, muitas vezes, são pioradas, porque elas não terceirizam esse serviço", afirma.

Reforma da previdência
Junto com o apelo por mais investimentos do poder público para o enfrentamento da crise e melhoria das condições de vida dos trabalhadores, a jornada de 8 de Março também repudia a reforma tributária proposta pelo governo federal. Se aprovada, a mudança resultará num corte de 40% do orçamento da seguridade social, causando a perda de 24 bilhões de reais ao ano no orçamento da previdência.
Os prejuízos da reforma, para a representante do Psol, devem recair especialmente sobre as mulheres, que representam 30 dos 40 milhões de brasileiros que são excluídos da previdência. "Isso, com certeza, é uma questão que vai incidir, diretamente, sobre o direito das mulheres porque quando o Estado deixa de garantir direitos sociais como saúde e previdência social, isso acaba se refletindo na divisão sexual do trabalho", avalia.

Aborto legal e seguro
Outra bandeira defendida pelas organizações neste ano é a legalização do aborto, compromisso já assumido pelo governo brasileiro em diversas conferências internacionais. Para a secretária-executiva da Jornada pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, Dulce Xavier, a legalização é um passo fundamental para a democratização da sociedade. "Como um país que lutou pela democracia, precisamos garantir a autonomia das mulheres como uma questão de democracia. Que autonomia é essa que a gente não tem o direito de tomar a decisão sobre o nosso corpo?", questiona.
A legalização do aborto, segundo Dulce, significaria um avanço na saúde pública, na medida em que garantiria um atendimento digno e a preservação da saúde das mulheres. Além disso, a legalização possibilitaria o planejamento familiar. "É uma forma de passar informações para essas mulheres que estão recorrendo ao aborto para que utilizem métodos anticoncepcionais. Se o aborto for atendido em hospital público, a mulher que vai até o hospital vai entrar em contato com a possibilidade de planejamento familiar", argumenta.
Junto com a legalização da prática, as entidades pretendem denunciar a perseguição sofrida pelas mulheres que fizeram aborto. Para Dulce, um caso bastante emblemático em relação à criminalização das mulheres foi o de uma clínica que realizava abortos em Campo Grande (MS), estourada em 2007 após denúncias do Ministério Pùblico.
Com o fechamento, a polícia apreendeu prontuários e fichas de dez mil pacientes que haviam interrompido a gravidez, materiais que serviram para que 1,5 mil mulheres fossem processadas. Mais de 20 delas, até agora, ja foram julgadas e condenadas a prestar serviços comunitários em creches.

Criminalização
A tendência, na avaliação de Dulce, é de que a criminalização se acentue com a instalação da CPI do Aborto no Congresso Nacional. "Essa CPI já nasce a partir da iniciativa de um grupo que não tem disposição para debater todos os temas que estão envolvidos na questão do aborto, é um grupo que tem uma posição clara de criminalização das mulheres", avalia Dulce, que reforça a necessidade de discutir os riscos e as consequencias do aborto clandestino.
O Dia Internacional de Luta das Mulheres em São Paulo terá início às 10h, na Praça Oswaldo Cruz, de onde seguirá, pela Avenida Paulista, até o Parque do Ibirapuera, onde haverá, em frente ao Monumento das Bandeiras, um ato pela legalização do aborto.
A manifestação das mulheres também será um ato de solidariedade com os povos que enfrentam situações de guerra, como os haitianos e os palestinos, e ainda de apoio a países que lutam pela soberania popular, como Paraguai, Equador e Bolívia.

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