terça-feira, 29 de julho de 2008

Pobre Não Pode Se Organizar

O Brasil é o país do mundo com maior desigualdade social. Ou seja, de maior diferença de renda entre os ricos e a ampla camada de pobres. O Brasil está entre os primeiros lugares do mundo no mercado consumidor de jatos executivos, helicópteros e iates de luxo. E ao mesmo tempo tem 44 milhões de brasileiros que vivem com menos de 1 dólar por dia, e por isso passam fome. Na cidade de São Paulo há milhares de sem-teto, gente que nem direito a casa tem, no maior centro industrial do país. Mas os ricos mantêm, segundo a Folha de S. Paulo, 428.000 apartamentos e casas fechados, vazios, para especular, esperando aumentarem os aluguéis, ou apenas como reserva de riqueza familiar. Deve ser a maior cidade fantasma do mundo. E, pelo número de imóveis, poderia ser a quarta ou quinta maior cidade do Brasil... vazia!
Há muitas causas que formaram uma sociedade tão injusta, apesar de sua riqueza. E certamente uma delas é a concentração da propriedade rural, em que apenas 1 por cento de seus proprietários são donos de 46 por cento de todas as terras.
Como se explica que tão poucos ricos consigam manter por tanto tempo tantos privilégios? De duas formas: a primeira, usando o poder do Estado para proteger seus interesses; e, a segunda, com a violência. A classe dominante brasileira usa sistematicamente a violência de sua polícia, de sua segurança privada, de seus pistoleiros para impedir que os pobres reajam a tamanhas injustiças.
Essa violência se abate pela perseguição aos líderes e organizadores do povo. Essa violência se transforma também em campanha permanente dos meios de comunicação da classe dominante para difamar e criminalizar as organizações sociais dos de baixo. Como um alerta permanente: “Cuidado! Os trabalhadores, os pobres não podem se organizar... isso é perigoso”. Pode dar cadeia e até morte.
E por isso a violência está tão presente no meio rural. Porque lá talvez seja ainda mais vergonhosa a diferença social.
Vejamos os dados. De 1980 a 2003 foram assassinados no campo 1.671 trabalhadores, lideranças e apoiadores. Desses, foram a julgamento apenas 121 casos. Foram condenados apenas 58 pistoleiros executores dos crimes e sete fazendeiros mandantes. Mesmo o massacre de Carajás, que teve notoriedade internacional e tirou a vida de 21 trabalhadores rurais sem-terra, até hoje está impune, pior, inocentou todos os envolvidos. Com exceção de um comandante, todos os demais casos continuam impunes. Ou seja, o Estado brasileiro protege a violência do latifúndio.
Agora, no governo Lula eleito para mudar, se esperava que a justiça imperasse. Ledo engano, a violência do latifúndio continuou e a cumplicidade do Estado, através de alguns juízes, se mantém. Por isso, já pagaram com a vida 53 companheiros sem-terra, líderes sindicais e lideranças indígenas. Por isso temos mandado de prisão preventiva contra cinqüenta militantes sociais de organizações dos trabalhadores, sendo que 24 deles se encontram presos. Para alguns juízes, como o doutor Átis, de Teodoro Sampaio, ser liderança de sem-terra é sinônimo de chefe de quadrilha. Tal a interpretação que dá ao que é um movimento social.
Nenhum mandado de prisão contra os fazendeiros mandantes dos assassinatos. Nenhum fazendeiro preso. Nem aqueles que ousaram formar um PCR (Primeiro Comando Rural) e que mostraram seus fuzis em pleno Jornal Nacional.
As raízes dessa violência estão no latifúndio, no monopólio da propriedade da terra e no caráter de classe do Estado brasileiro, daí a inoperância e ineficácia de um governo, mesmo popular.
A verdadeira justiça ainda tardará. Infelizmente.
Será preciso que a sociedade como um todo se mobilize. Grite. Reaja. É preciso que os trabalhadores aumentem e melhorem suas formas de organização e de pressão de massa. Será necessário conquistar uma verdadeira reforma agrária, que de fato democratize a propriedade rural e com isso rompa com o poder econômico e político do latifúndio. Será necessário democratizar o Poder Judiciário.
Será necessário que o governo Lula tenha mais coragem de fazer com que o Estado atue a favor dos pobres, da maioria, e que, no mínimo, se interrompa esse ciclo de impunidade, que se leve para a esfera federal o julgamento dos crimes de direitos humanos, cometidos pelo latifúndio e por outras máfias nas cidades.
E a cada dia que passa, nesse longo caminho, infelizmente, o latifúndio continuará com sua violência histórica, para manter seus privilégios, ao custo de muitas vidas de trabalhadores.

João Pedro Stedile - membro da Coordenação Nacional do MST e da Via Campesina, na Revista Caros Amigos nº 79 (Outubro de 2003)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

O Nome Político do Amor

Por que o socialismo, em tese uma alternativa humanitária ao capitalismo, fracassou na Europa e na Ásia? O capitalismo teve a esperteza de, ao privatizar os bens materiais, socializar os bens simbólicos. De dentro do barraco de uma favela uma família miserável, desprovida de direitos básicos como alimentação, saúde e educação, pode sonhar com o universo onírico das telenovelas e ter fé de que, através da loteria, da sorte, da igreja que lhe promete prosperidade ou mesmo da contravenção, haverá de ter acesso aos bens supérfluos. O socialismo cometeu o erro de, ao socializar os bens materiais, privatizar os simbólicos, e confundiu crítica construtiva com contra-revolução; cerceou a autonomia da sociedade civil ao atrelar ao partido os sindicatos e movimentos sociais; coibiu a criatividade artística com o realismo socialista; permitiu que a esfera de poder se transformasse numa casta de privilegiados distantes dos anseios populares; e cedeu ao paradoxo de conquistar grandes avanços na corrida espacial e não ser capaz de suprir devidamente o mercado varejista de gêneros de primeira necessidade.Hoje, resta Cuba como exemplo de país socialista. Todos conhecemos os desafios que a Revolução enfrenta às vésperas de seu meio século de existência. Sabemos dos efeitos nefastos do bloqueio imposto pelo governo dos EUA e de como a queda do Muro de Berlim deteriorou a economia da Ilha.Apesar de todas as dificuldades, nesses 49 anos a Revolução logrou assegurar a 11,2 milhões de habitantes os três direitos básicos: alimentação, saúde e educação. Elevou a auto-estima da cidadania cubana, que tão bem se expressa em suas vitórias nos campos da arte e do esporte, bem como na solidariedade internacional, através de milhares de profissionais cubanos das áreas da saúde e da educação presentes em mais de uma centena de países do mundo, em geral em regiões inóspitas marcadas pela pobreza e a miséria. O socialismo cubano não tem o direito de fracassar! Se acontecer, não será apenas Cuba que, como símbolo, desaparecerá do mapa, como ocorreu à União Soviética. Será a confirmação da funesta previsão de Fukuyama, de que “a história acabou”; a esperança – uma virtude teologal para nós, cristãos – findou; a utopia morreu; e o capitalismo venceu, venceu para uns poucos – 20% da população mundial que usufrui de seus avanços – sobre uma montanha de cadáveres e vítimas.Nós, amigos da Revolução cubana, não esperamos de Cuba grandes avanços tecnológicos e científicos, serviços turísticos de primeira linha, medalhas de ouro em disputas desportivas. Esperamos mais do que isso: a ação solidária de que falava Martí; a felicidade de um povo construída em base a valores éticos e espirituais; o princípio evangélico da partilha dos bens; a criação do homem e da mulher novos, como sonhava o Che, centrados na posse, não dos bens finitos, e sim dos bens infinitos, como generosidade, desapego, companheirismo, capacidade de fazer coincidir a felicidade pessoal com os sucessos comunitários. Em resumo, almejamos que, em Cuba, o socialismo seja sempre sinônimo de amor, que significa entrega, compromisso, confiança, altruísmo, dedicação, fidelidade, alegria, felicidade. Pois o nome político do amor não é outro senão socialismo.

Frei Betto na revista Caros Amigos nº133, de abril de 2008.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Elogio do Aprendizado

Aprenda o mais simples!
Para aqueles cuja hora chegou.
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas Aprenda!
Não desanime!Comece!
É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Frequente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixei convencer.
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe. Verifique a conta.
É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item.
Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando!

Bertolt Brecht

terça-feira, 22 de julho de 2008

O nosso voto...

Mais um momento eleitoral se aproxima e todo o povo, mesmo os mais excluidos de tudo, são convidados a participar do "maior evento de nosso país", o espetáculo da democracia... No entanto, passado o período eleitoral, que somos nós? Excesso de gente! Não merecemos médicos, ensino de qualidade, saneamento básico, acesso a cultura, transporte público decente... Afinal, como diz um certo governador, "criança da periferia não precisa de piscina, biblioteca ou teatro na escola, precisa de ensino de qualidade..." e depois proíbe @s professor@s de planejar suas própria aulas, criando um sistema de ensino padrão via cartilha... Padronizando a burrice!!!
Os defensores da nossa "democracia" criminalizam as manifestações, os atos públicos, o direito de greve, os movimentos sociais, desrespeitando um direito básico da constituição de nosso país, que eles alegam defender quando promovem a repressão policial violenta a nossas reivindicações.
O sistema político brasileiro prevê que os governantes decidam pelo povo, desconsiderando nossa opinião sobre os rumos tomados por eles, embora, novamente segundo nossa constituição, "todo poder político emana do povo e em favor deste deve ser exercido". Financiados por grandes grupos empresariais, o único interesse defendido por nossos governantes é o de suas contas bancárias, e do imperialismo estado-unidense e unido-europeu!
numa verdadeira democracia o povo tem voz ativa sobre as decisões do governo, direito à livre manifestação, a exigir explicações, a se organizar... e não só colocar o voto na urna, como um animal amestrado e depois voltar a ser explorado alegremente pelos governantes que acaba de eleger... nós, povo, temos de nos organizar, seja em movimentos, associações, coletivos, conselhos, não importa!!!
A construção do Poder Popular, o poder político exercido pelo povo, deve ser realizada todos os dias e por tod@s nós...
TODO O PODER AO POVO!!!
EIS O NOSSO VOTO!!!