terça-feira, 26 de agosto de 2008

Diário de Um Ato Pela Vida

Sebastião Nicomedes, sobre a chacina de moradores de rua em São Paulo: "Parece um crime sem solução. Por quê?"
Sábado, 16 de agosto de 2008 Num quarto de pensão, eu me encontro, mais uma vez, pernoitando de diárias. Hoje é sábado, e tenho vaga garantida até a manhã de segunda-feira. Depois, será o que tiver de ser. Diante do espelho, escovo os dentes que me restam na boca, felizmente a maioria continua comigo. Se bem que preciso urgente de um tratamento odontológico. Colocar ponte é um sonho. É chato não poder sorrir por um detalhe tão ingrato. Reparo na brancura dos meus cabelos. O tempo passou rápido, e não só pela idade. Já faz quatro anos que os moradores de rua foram assassinados no centro de São Paulo. Faltam três dias para o 19 de agosto, que é lembrado como aniversário de morte dos sete moradores, mortos entre os dias 19 e 22 de 2004. Mataram no dia 19 e voltaram a matar nas outras 48 horas. Fico inquieto. O que motivou os crimes? E quem são os assassinos? Sabe-se que há suspeitos, porém, acusados formalmente, nenhum. Parece um crime sem solução. Por quê? Eu poderia ter sido uma das vítimas. Na época dos ataques morava em um quartinho de pensão aqui mesmo no Brás. Eu havia sido desligado de um albergue, tinha conseguido um dinheirinho curto e paguei como aluguel por trinta dias, que venceram dois dias depois da tragédia.
Com esses pensamentos na cabeça vou pra baixo do viaduto do Glicério, na Associação Minha Rua Minha Casa, onde acontece todo terceiro sábado de cada mês a Feira de Trocas Solidária. Já na entrada os freqüentadores da casa recebem 2 mirucas. Na feira não se compra nada com dinheiro convencional, nem o real, dólar ou euro tem valor lá. A miruca é um tipo de moeda social com as quais se pode adquirir roupas usadas, sapatos, bijuterias, artesanato, salgados, sucos, bolos e doces.
Aos fundos tem a rádio Fala Cidadão, rádio comunitária que só funciona ali, sem freqüência, a mesa de som ligada direto a caixas de som. Um artista em especial me chama atenção. É o Romário, que ficou conhecido depois de ganhar o troféu de artilheiro do campeonato de futsal do albergue Arsenal da Esperança. Sob aplausos ele arranha os primeiros acordes na guitarra, acerta a afinação e puxa Maluco Beleza do Raul Seixas. Às 19h30 da noite fui à Praça da Sé.Tava uma lua grande, porém o ar não tava pra beleza. Um ar sombrio pairava sobre a praça. Um clima estranho, de silêncio e sons tristes.Vejo um gol cor de creme distribuindo comida. Entro na fila pra ganhar um marmitex. Alguém bate no meu ombro já dizendo: "É foda, né não, irmão?" . Olho pra trás. É o Romário, com expressão de arrasado. No dia ele teve nas mãos guitarra e microfone, mandou bem, foi aplaudido, teve os cinco minutos de fama. Segurava agora uma bolsa de saca de farinha de trigo. Dentro algumas bem poucas roupas. Em cima um cobertor tipo os que as transportadoras usam pra proteger os móveis quando carregam mudanças. Romário tava na fé de conseguir vaga de pernoite nalgum albergue, me conta que vem dormindo na rua há dias, sonhando com outra chance de voltar pro Arsenal. Arrasado fiquei eu, não podendo fazer nada pra resolver o problema. Domingo, 17 de agostoNo Anhangabaú tem um grupo com garrafas pets distribuindo chás e pão com manteiga. Tomo uns dois, três copos, e vou circular pelo vale. De longe um cara grita meu nome. Vou caminhando em sua direção pra saber qual que é. Vem correndo pela grama tropeçando, desviando das pessoas que tão dormindo. Reconheço o homem. É o Paulo. Ele conheceu as vítimas do massacre. Tinha muita amizade com o Panthera. "O Panthera era muito louco. Não sei se ele devia, não sei se tinha bronca. Mas não merecia morrer daquele jeito". Paulo é inteligente, pensa pra falar, sonha alto. Diz que é formado e que em 82 passou na prova da USP. Sobre a política fala que os candidatos são todos iguais, qualquer um que chega no poder, quando senta lá, não olha mais pra baixo. "Governo nenhum se importa com a gente, truta." Tem cigarro, não tem fogo. Vai perguntando a quem passa na frente se tem isqueiro ou fósforo. De repente Paulo perde a voz. Estufa as bochechas, parece que vai explodir. Quer evitar o choro.Mas as lágrimas começam a escorrer pelo rosto. Desaba. “Quem você acha que matou aquelas pessoas?”, pergunto. "Ah, truta. Isso aí todo mundo sabe quem foi que matou...até então...Mas só que é o seguinte...a gente é mesma coisa que cachorro na rua, é a mesma coisa que cachorro."
Paulo não sabe se vai ao ato nas escadarias da Sé, acha a caminhada uma bobagem, é meio contrário ao padre Júlio Lancelotti ou a forma como conduz as ações por meio de celebração de missa. Pra ele isso tudo é bobagem e não muda nada. Mas vai pro encontro com os candidatos. “Se tiver microfone aberto quero dizer umas verdades pros políticos e pras ongs". Saímos andando. Nos separamos mais adiante. Paulo no sentido São João Ipiranga, eu cruzo a Líbero Badaró indo pra perto da bolsa de mercados e futuro, onde aconteceu uma das mortes. Passo pela praça da Sé, tá se formando uma correria. Um comboio de carros pára pra distribuir lanches. Os vidros com propaganda política, o porta-malas adesivado com o nome e o número de um candidato a vereador. "Se o Paulo visse isso ia ter confusão na certa!”, pensei. Quase meio-dia, vou pra perto do Mercado Municipal. Sou abordado por três homens de rua. Um deles me conhece, é o Ceará. Animado, conta as novidades. "Eu não sou mais indigente. Tem esse negócio comigo mais não. Logo, logo eu vou buscar minha identidade lá no Poupa Tempo, agora eu sou cidadão". Deixando o apelido de lado, pergunto o nome dele completo e ele diz todo orgulhoso, mostrando o protocolo do RG. “Meu nome é Francisco de Assis Pereira”. Pára um carrão preto quatro portas e nos dá marmitex com arroz, batatas e carne moída. Feijão não tinha, mas como diz Ceará, o novo cidadão, "Tá bom, graças a Deus". Segunda-feira, 18 de agosto. Vou passar a noite em vigília. Amanhã vou encontrar no ato o Romário, o Paulo e o Francisco. A palavra ou o silêncio deles vão valer mais que os discursos de qualquer autoridade. Os candidatos a prefeito prometeram vir para discutir políticas públicas para a população de rua. Passa das 20h e ainda há pouco o sino tocou as dobradas na torre da catedral. Encontro a Kátia, ela declama poesias. Estava arrasada. Me abraçou. Se pra um homem morar na rua é uma tormenta, imagina pra uma mulher. Kátia havia sido desligada do albergue. Desligada e agredida. Bateu boca com uma arte-educadora. Ficou fora de si, ateou fogo em cobertor. Um amigo que a defendeu apanhou dos guardas. Chegou a guarda feminina e a colocou pra fora à força. Kátia levou spray de pimenta nos olhos, eles ainda ardiam. Ela chora mais pela mágoa. "Estou aqui desde a tarde, com fome, hoje não consegui comer nada. Vou dormir mais perto da base da PM. Tou com medo de apanhar de novo." Ela tá com um problema de saúde, descobriu recentemente um mioma. Amanhecerá na praça pra acompanhar o ato e o debate, quer saber: "O que eles vão fazer por nós?". Terça feira - 19 de agostoAs portas da catedral se abrem. Dois faxineiros saem lavando as escadarias. Eu tava sentado escrevendo. Levantamos todos às pressas pra não molhar as calças. Do meio da praça um morador de rua vem correndo, desesperado, pra salvar seus cobertores que o rapaz do rodo tava empurrando com lixo e tudo, enquanto o outro mandava água pra baixo. Perto das 9h da manhã, três pessoas arrumam o chão, ajeitando corpos moldados em cobertores. Prendem ao chão com fita. Começa a celebração ecumênica, o padre Júlio Lancelotti anuncia os líderes religiosos presentes. Um rabino, um hare krishna, uma pastora, e tá presente o novo bispo da diocese. No ponto culminante do ato, vem um caminhão-pipa lavar o pedaço. Os moradores de rua sobem no carro, nas portas, impedindo os garis de continuar a limpeza. O representante ao microfone grita, furioso: "É isso que fazem com o povo da rua". Molham os cobertores do morador de rua, molham o papelão, a pessoa. É essa política higienista!" É ovacionado. Acuado, o motorista desce às pressas com o carro. Vai sendo tocado por moradores de rua, seguido pelos fotógrafos e câmeras. Eu fiquei pensando: “Não foi isso que os faxineiros da igreja fizeram pela manhã? Que contraste, meu Deus!” Me vem a expressão: “Entre a cruz e a espada...”. Os garis descem do caminhão berrando de raiva, um deles tá tremendo, os nervos abalados. Um policial militar se aproxima.O gari que tá enfurecido vem pra cima de mim, eu o encaro. Ele aponta o dedo pra mim e reclama: “Eu devia fazer uma ocorrência contra vocês. Tenho minha mãe doente pra cuidar”. O policial manda o motorista seguir com o caminhão, discute com os garis: “Pô, gente, colabora também.A praça é imensa,vai lavar o outro lado, porra”. O gari discute, mas o policial está determinado: “Vão lavar pra lá. Agora sou eu que tou mandando. Aqui perto não vão molhar.Vai, motorista da linha, vaza daqui!” Instantes depois a celebração acaba, os manisfestantes seguem em marcha até o Sefras, a casa de convivência mais conhecida como “Chá do Padre”. A mesa de honra está montada. Os candidatos são anunciados. O ex-governador, o prefeito-candidato à reeleição e a ex-ministra do turismo faltaram. Eles haviam confirmado. "Vão ter que se explicar, o povo da rua não é baixo escalão, é primeiro escalão e vota. Morador de rua tem título de eleitor", desabafa um representante da população de rua indignado. Kátia está na primeira fileira à direita. Mais uma decepção pra mulher que à noite vai dormir ao relento. O Romário não apareceu, conseguiu vaga em albergue na periferia, bem longe do centro. O Paulo tá fazendo uns corre, andou doidão. O Francisco foi pra boca de rango lá no Belém, saiu cedo pra conseguir senha de almoço. Vou embora também. Entro na Rua Direita.Tem um sanfoneiro sentado no chão, tocando uma melodia que me acalma. Chego perto, paro pra ouvir. Ele pede pra eu colaborar. Na frente dele tem um balde desses de lavar roupas.Umas moedas dentro. Tiro do bolso duas notas de 2 reais. "Saiu as duas, vou dar as duas". Ele tateia as notas com as mãos. Pergunta meu nome. Então se agita: “O Tião? Aquele poeta da rua?” Já ficamos amigos. “Ô, Tião, me ajuda. Cê que escreve aí pros jornais e fala na televisão. Me ajuda encontrar meus parentes.” Começa a falar de sua vida, conta vantagem: “Fui eu que em 83 derrubei o Luiz gonzaga no programa da Inezita Barroso, a grande final ali na praça da Sé. Sou o...Já ouviu falar do...” É o “Gaita Azul da América Latina, o Geraldão do Pandeiro...” Tocou pra filme, O Beijo da Mulher Aranha. “Essa aqui ó...” Junta gente pra ouvir, os olhos nem abrem. "Procurando a família do Teixeira da Costa, lá de Carlos Chagas, da tia Joaquina, que morava na rua do Cruzeiro.O filho dela, José Teixeira da Costa, foi gerente da Pernambucanas lá de Carlos Chagas. E tem mais. Procuro meu irmão que foi se embora pro Mato Grosso.” O filho diz o nome do sanfoneiro: Geraldo Moisés dos Santos. “Se achar notícias, se alguém conhecer meus parentes, pede pra ligar por favor”. E dá um número de celular. “Toco um pouco aqui, um pouco ali, cê sabe, pouco com Deus é muito.”
Finalmente o 19 de agosto se torna um ato pela vida.

entrevistado: Sebastião Nicomedes
repórter: Eliane Brum
publicado no blog da revista Época em 20/08/2008.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

PCC...

Primeiro comando da cadeia: Quércia, Fleury, Maluf, Covas A sociedade tem medo: e se aquela horda de milhares de bandidos consegue fugir dos presídios? É a guerra. É a guerra definitiva. Estaremos todos presos em casa, acuados, desarmados. A autoridade constituída não passa de um bando de baratas tontas. A sociedade se sente só. Mas a sociedade é tão cruel quanto o bandido -apenas se esquece disso, faz de conta que o preso e seus parentes estão fora da "sociedade". A sociedade deseja a destruição, a extinção do bandido e de seus parentes. Resta saber quanto por cento da população alimenta esse desejo de que a cavalaria esmague a rebelião como um elefante pisa sobre um inseto, de que o choque atire uma bomba e acabe com aquele amontoado de assassinos pobres, pretos e pardos, com aquela mancha que envergonha o país do Carnaval, do futebol e da "Petrobrax" perante a opinião pública estrangeira. Resta saber quanto por cento da população quer que o crime se perpetue: o crime de manter sob condições desumanas milhares de criminosos que vão ficando cada dia mais perigosos e animalescos -canibais que decapitam companheiros. Resta saber quanto por cento quer direitos humanos para todos, sem exceção. Deu na imprensa estrangeira que o sistema penitenciário brasileiro é a "reinvenção do inferno" -da Febem ao Carandiru. Quem sabe agora -que deu no "The New York Times", no "Washington Post", no "The Guardian" e no "Le Monde" em bloco -a coisa ganhe rumo. É preciso esfregar na cara do cidadão comum as condições a que são relegados os párias sociais, os excluídos de tudo, os presos pobres: é preciso formar filas nos presídios, obrigar cidadãos de classe média e alta a visitar as cadeias fétidas, superlotadas de homens ociosos, os futuros -e impiedosos, e cruéis- assassinos de seus filhos, de seus netos. É preciso que as classes média e alta vejam de perto que tipo de cobras estão criando -que vejam e vomitem até mudar de atitude. A sociedade que não se iluda. As siglas se confundem, o PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa que organizou as rebeliões em série nos 25 presídios e duas cadeias e dois DPs de São Paulo, entre domingo e ontem, é o resultado direto de outra sigla igual, a dos primeiros comandantes das cadeias -aqueles que comandaram o sistema penitenciário nas últimas três décadas em São Paulo: os governadores Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho, Paulo Maluf, Mário Covas. Um comando não existe sem o outro. Um crime não existe sem o outro: o PCC é o crime criado, consequência da omissão, de décadas de irresponsabilidade, da arrogância da Justiça, do crime dos governadores e das autoridades contra os direitos humanos dos presos. A tropa de choque são esses governantes. Os cavalos não são senão a sombra animalizada deles e de nós mesmos -nós que os elegemos e delegamos a eles o autoritarismo político e policial, a corrupção, a desumanidade, a desigualdade. O poder do Estado assenta-se em um consenso de valores e interesses, em nome dos quais ele age. Ponto. "Tá tudo dominado", como diz ironicamente a música. Os líderes e soldados do PCC se comunicam por satélite, por celulares a R$ 500 cada aparelho, têm milhões de reais em caixa, escrevem cartas em código (não se utilizam desse nosso português burguês): PCC = 15.3.3, a posição das letras no alfabeto. "Tá tudo dominado". Para os 16 mortos lá dentro nesses dois dias, serão 150 aqui fora. Eles vão nos matar, porque nós os matamos todos os dias. Ponto.

Marilene Felinto, na Folha de São Paulo de 20/02/2001.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Carta dos Movimentos Sociais do Rio Grande do Sul

Aqui na presença da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal e da Assembléia Legislativa queremos coletivamente enquanto militantes sociais, homens, mulheres que buscam construir formas de organizar sem terras, sem trabalho, camponeses, operários, servidores públicos e trabalhadores para fazer valer direitos constitucionais registrar e denunciar dois temas: O direito de manifestação e a violência.
Sobre a violência queremos destacar que esta tem sido a forma, a regra principal como a Polícia, aqui no RS conhecida como Brigada Militar, tem tratado as diferentes formas de manifestações sociais organizadas pelos movimentos sociais e sindicatos, tanto no campo como na cidade. Violência que tem se caracterizado pelo cerco fechado aos manifestantes, pela repressão moral e física aos mesmos, pelas abordagens humilhantes, prisões arbitrárias de militantes, pelo indiciamento massivo e por indiciamentos em processos judiciais . Neste rastro de violência, os mortos e feridos estão em maioria absoluta entre a classe trabalhadora:- Em 30 de setembro de 2005, Jair da Costa é assassinado em uma mobilização dos sapateiros em defesa do emprego, em Sapiranga, no Vale dos Sinos.- Em 24 de abril de 2007 em Farroupilha, um protesto dos comerciários contra o trabalho no domingo em frente a matriz das lojas Colombo, houve pancadaria e prisões.- Em 26 de abril de 2007 em Panambi, paralisação na Tromink, repressão policial, identificação e processo judicial de três dirigentes da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos.- Em junho de 2007 uma ocupação do plenário da Assembléia Legislativa, por ocasião da venda das ações do BANRISUL, responsabilização judicial de representantes da CUT.- Em setembro e outubro de 2007 o MST realiza uma marcha a Coqueiros do sul, ao chegar próximo o judiciário decreta o impedimento de entrar na comarca de Carazinho, sendo esta composta de cinco municípios, aqui o direito de ir e vir foi suspenso.- Em 30 de novembro de 2007 em ocupação do Prédio Vazio da CORLAC em Porto Alegre pelo MTD, condução em fila indiana de 600 pessoas para três delegacias para identificação e processo judicial.- Em janeiro deste ano o MST realiza um encontro estadual com 1.100 pessoas em um dos seus assentamentos em Sarandi e a BM monta um aparato com 600 soldados para revistar todos em busca de um anel, 200,00 reais e uma máquina fotográfica. - Em fevereiro de 2008 o ELAOPA, encontro latino americano de organizações populares fez manifestações em Porto Alegre, usando o teatro como ferramenta de comunicação, foi reprimido e dispersado. - Em 08 de março de 2008 repressão violenta com prisões das mulheres da Via Campesina em função de protesto contra a invasão das faixas de fronteiras por empresas multinacionais.- Em 14 de março de 2008 uma atividade de protesto na SEC por parte dos professores ligados ao CPERS denunciando a enturmação e o fechamento de mais de 100 escolas, foram reprimidos e lideranças presas.- Em maio de 2008, em São Gabriel um forte aparato revista os acampados, separando as crianças das mães por horas, impedindo a presença de deputados para acompanhar as arbitrariedades da tal revista. - Em 20 de maio de 2008 em Porto Alegre, o Levante da Juventude fez um manifestação em frente a SEC, denunciando a precariedade do ensino público estadual e o fechamento de escolas e estes também foram reprimidos sendo dois militantes presos.- Em 11 de junho de 2008, repressão violenta com mais de uma dezena de feridos e mais de uma dezena de prisões em função de um protesto no pátio do mercado nacional em Porto Alegre com movimentos do campo e da cidade. O protesto era contra o alto preço dos alimentos e o monocultivo de eucaliptos.
O direito de manifestação esta garantido no artigo V da Constituição Federal. Em todos os tempos as sociedades de classes foram e são marcadas por profundas contradições. Os conflitos de posição, de idéias, opiniões a cerca de como se da a organização das sociedades é algo que ainda que alguns queiram, jamais será abolida.
Na história do Brasil, marcada por quatro séculos de escravidão, ainda que sob a chibata, os escravos se rebelaram, fugiram, eram perseguidos e todas as suas formas de resistência e organização foram perseguidas, demonizadas, cooptadas ou então esmagadas. Ainda assim depois de tantos conflitos as elites ficaram ao longo de 40 anos produzindo leis que em doses homeopáticas iam libertando os escravos. Até que enfim veio a Lei Áurea que aboliu, mas não resolveu. Milhares de homens e mulheres agora livres e igualmente miseráveis, sem um tostão de indenização, sem um pedaço de chão.
A história andou, andou o processo civilizatório que também é contraditório e outra vez a força, a violência e a tortura fizeram outra geração ter que fugir, se esconder ou então matar ou morrer para que seus filhos pudessem ter o direito às palavras, as ruas, a empunhar bandeiras a explicitar as feridas da contraditória sociedade de classes. Era o tempo da ditadura militar.
Outra vez as elites colonizadas deste país decretam que este período foi necessário, mas acabou e ficamos assim, seguimos na construção de um país finalmente democrático, acordamos que todos podem existir e que os que detêm o poder não perseguirão, não sufocarão, não criminalizarão os contrários.
Assim passamos os últimos vinte anos, a maioria produzindo riquezas e obedecendo as regras acordadas em 1988 e a minoria, todos os dias, discretamente desmanchando as regras de 88. Por quê? Nas últimas décadas o capitalismo tem tido novas necessidades, é planetário e finalmente o reino das mercadorias foi instaurado. No trono esta o lucro e a propriedade privada. A humanidade junto com toda a biodiversidade do planeta deve postar-se de joelhos diante destes e tudo o que estiver fora desta posição é atrasado, retrogrado, ilegal, criminoso, terrorista, bandido.
Desse modo no mundo todo e aqui não é diferente, para todos aqueles que levantarem a voz para dizer que esta proposta de mundo esta nos arrastando para a coisificação, a desumanização, a barbárie social e ambiental passam a estar condenados, passam a cadeira dos réus por crime contra o direito inquestionável da reprodução do capital a qualquer custo.O lucro das papeleiras suecas, norueguesas, norte americanas, das grandes empresas esta acima de qualquer coisa. A produção de papel para a exportação, no ES, na BA, no RS esta acima da vida de milhares de pessoas, expulsas de suas terras. A terra esturricada de sede, infestada de formigas, árida, não abala, não toca, não afeta a classe dominante desta velha colônia.
Passados mais de 500 anos seguiram enviando para as metrópoles as mesmas riquezas, à custa de nossa imensa pobreza, controlada por uma profunda violência. A violência faz parte da sociedade de classes, para manter muitos trabalhando e produzindo riqueza para poucos, só com muita violência, primeiro o chicote, depois cartão ponto, fiscal, gerente e finalmente se estes mecanismos não derem conta, a polícia com bala e pau coloca tudo no seu devido lugar.
A questão é porque nos últimos dois três anos a violência tem sido maior sobre os movimentos sociais? Que motivações produziram esse grau de repressão, perseguição, criminalização? Se o sistema capitalista precisa garantir altas taxas de lucros,, precisa para isso, realizar altos investimentos para por sua vez garantir a reprodução de mais e maiores lucros e assim seguir seu metabolismo.
Para que isso aconteça, todos os empecilhos no meio desse caminho devem ser removidos, as leis da Constituição de 88 são suprimidas, transformadas. O caminho para chegar ao paraíso das matérias primas como: ferro, ouro, bauxita, alumínio, manganês, terra, água, sol é aplainado e o que esta pela frente deve ser removido. Também perturba o sistema o serviço público, sempre pesado, sempre caro, ineficaz, preguiçoso e quando não corrupto, portanto pode ser dispensável.
Desse modo cria-se toda uma pauta produzida pelo sistema capitalista e sua rainha a propriedade privada e tudo passa a valer, inclusive abolir o Estado Democrático de Direito como, por exemplo, aplicar despejos ilegais em Coqueiros do Sul, com base em processos não transitados e não julgados.
Desse modo até as leis que dizem ser sagradas, não são cumpridas por quem as usa para justificar sua própria truculência. E o Estado? E o Judiciário? E o Ministério Público? Grupos desses setores ligados ideologicamente com a extrema direita, preconceituosa como a FARSUL, por exemplo, e pertencentes ao mesmo grupo instalado no poder dirigido por Yeda, justificam, aplaudem e criam mecanismos para legitimar o atual pensamento único que vigora nesse país e no mundo. Desse modo Polícia técnica, apolítica, não existe, nunca existiu e não existirá. Todos esses aparatos explicitam que é para manter a propriedade privada, o lucro e sua ideologia.
E quem defende a vida humana e a biodiversidade, tem seus ossos quebrados, é humilhado, preso, criminalizado. Quem é o violento nessa conjuntura? Quem esta praticando a violência? Para onde vamos com essa proposta de mundo onde nos tornamos coisa, mercadoria em nome de garantir os lucros de meia dúzia? Depois de nos quebrarem, nos prenderem, nos humilharem moralmente, o que mais farão conosco?