sexta-feira, 10 de abril de 2009

Stedile diz que governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre crise

por Luciana Lima da Agência Brasil
tirado do sítio internet Ví o Mundo

Agência Brasil – Como os movimentos sociais, em especial o MST, têm encarado a questão da crise financeira mundial?

João Pedro Stedile – Hoje, há um consenso nos movimentos sociais, desde as centrais sindicais até as pastorais, de que a crise que está instalada na economia capitalista é internacional e vai pegar todo mundo, ela é profunda, não é apenas da produção. Vai abarcar aspectos sociais, ambientais, políticos e, inclusive, os paradigmas do capitalismo. Nós estamos muito preocupados porque está faltando na sociedade brasileira um processo de debate sobre a natureza da crise, para que o povo brasileiro tenha conhecimento dela, participe e construa alternativas populares para resistir. O pior dos cenários é simplesmente ficar assistindo, na televisão, à interpretação que o governo ou os capitalistas vão dar.

ABr – A interpretação atual da crise, em sua opinião, é equivocada?
Stedile – Evidentemente os capitalistas vão querer sair da crise o mais rápido possível e mais ricos. Para isso, vão pressionar o Estado, como sempre fizeram, para que o Estado transfira a eles dinheiro público. Com isso, vão aumentar a exploração sobre os trabalhadores e o desemprego. Vão diminuir as condições de vida da população. E o governo, com medo da crise, vai ficar todo o tempo dizendo: calma que o leão é manso. É preciso que a população tenha espaço para debater e, sobretudo, que os meios de comunicação que não são dos capitalistas ajudem.

ABr – Por que o senhor acha que o governo tem medo da crise?

Stedile – O governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre a crise temendo repercussões eleitorais. Só há uma forma de ampliar o debate. Se os movimentos sociais e as igrejas pegarem esse debate como peça prioritária, utilizando os meios alternativos que nós temos. O governo tem que sair do casulo. O governo parece que está com medo de sair do debate. Ele precisa se abrir e dizer que não sabe o que fazer, mas chamar para debater.

ABr – Como a agricultura brasileira vem sentindo os efeitos da crise?
Stedile – Essa crise tem atingindo mais em cheio o agronegócio, que é, no fundo, o modo de os capitalistas organizarem a produção agrícola no Brasil. Para isso, eles impuseram um modelo, que nós chamamos de agricultura industrial, totalmente dependente dos insumos, dos agrotóxicos e do mercado internacional. O mercado internacional vai diminuir, a renda dos europeus, americanos e chineses vai diminuir, portanto, vai diminuir o preço das commodities e vai diminuir o mercado. Evidentemente que, de novo, os capitalistas do agronegócio vão querer jogar sobre as costas dos trabalhadores o peso da crise. Já estão jogando. De dezembro pra cá, segundo dados do próprio governo, mais de 300 mil trabalhadores rurais assalariados perderam o emprego.

ABr – E nos assentamentos do MST, como a crise está impactando?
Stedile – Na agricultura familiar e camponesa, em que estão inseridos os assentados, como o próprio modo de produção não é capitalista, o que a gente tem debatido é que temos condições de resistir mais à perversidade da crise. Nós não dependemos de emprego, nós achamos que vai haver uma revalorização dos alimentos, ou seja, na crise o único dinheiro que os trabalhadores reservam é para comida. Pode cortar a luz, telefone, mas a comida não. Temos uma avaliação de que o povo camponês sofrerá menos os efeitos da crise.

ABr – Sofrerá?
Stedile – Sofrerá, talvez mais pela redução no ritmo das políticas públicas agrícolas. Isso é que nos preocupa. Estamos pressionando para que o governo transforme a crise em uma oportunidade. Para proteger a população, essa era a hora de aumentar a reforma agrária, de aumentar os investimentos públicos na agricultura e deixar de lado o agronegócio, deixar de lado os grandes projetos do BNDES [o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para a expansão do plantio de eucalipto, para expansão do etanol. Isso não desenvolve o país e só gera desemprego. Esse é o debate que estamos fazendo entre nós.

ABr – Como o senhor avalia as medidas tomadas pelo governo até então para conter os efeitos da crise no Brasil?
Stedile – O governo, na boa intenção, diminuiu o percentual do depósito compulsório que os bancos precisam fazer para o Banco Central. Isso representou R$ 180 bilhões que os bancos privados, que recebem o nosso depósito à vista, deixaram de recolher ao BC. A intenção do governo era que esses bancos aplicassem na indústria e na produção para reativar a economia. Mas eles recompraram títulos da dívida pública interna. Ou seja, emprestaram novamente para o governo, a 12 % de juros. Ou seja, os bancos enriqueceram ainda mais. É fácil até fazer a conta. Significa que o governo ajudou os bancos a se apropriarem de R$ 20 bilhões em uma tacada só. Além disso, muitas empresas aproveitam a notícia da crise para reorganizar o seu processo produtivo. Há empresas que estão tendo lucro, como a Vale do Rio Doce, que anunciou R$ 20 bilhões de lucro e colocou na rua 2 mil operários. É um caso de se aproveitar da crise para aumentar a exploração sobre os trabalhadores

ABr – O senhor acha que as medidas então não surtiram efeito?

Stedile – As propostas dos governo e das classes dominantes são as propostas clássicas do capitalismo. A saída que está sendo pensada é mais liberalismo, mais dependência do capital internacional. E também dá para perceber que a classe dominante brasileira não tem um projeto de desenvolvimento do Brasil, ao contrário do que aconteceu na crise de 1929, quando a burguesia brasileira estava articulada ao redor do governo Getúlio Vargas. Agora, a burguesia brasileira não tem um projeto para o país. Ela só quer ter lucro e isso é uma tragédia, para ela, inclusive.

ABr – E o que o senhor acha e o que os movimentos sociais acham que precisa ser feito?
Stedile – Reduzir juros é insuficiente. O que nós precisamos é de uma terceira alternativa, que é uma alternativa popular. Precisamos discutir com as forças organizadas da sociedade um novo projeto de país, um novo modelo econômico para o Brasil.

ABr – O que esse novo modelo incluiria?

Stedile – Algumas medidas prioritárias. A primeira seria a estatização de todo o sistema financeiro. Se não se controla a circulação do dinheiro, nunca vai reativar a produção. Segundo ponto: é necessário acabar com o superávit primário. O governo recolhe os impostos de todos nós e aí separa R$ 200 bilhões para pagar em juros. Isso tem que acabar. Tem que pegar esse dinheiro que está sobrando do orçamento e investir na produção. Mas não é em qualquer produção. Não é em automóveis. Tem que aplicar no que a população brasileira está precisando. Moradia popular, transporte de massa, trem, metrô, navio. Aplicar em escolas. Temos um déficit educacional enorme. Como é que se faz para pular dos 10% de jovens na universidade, que nós temos, para os 80% que tem a Bolívia? Construindo universidade, contratando professor, comprando livro, isso tudo é indústria. Só no investimento na educação, que é a grande tese do Cristovam Buarque, já se poderia incentivar a economia. E o dinheiro tem que vir do superávit primário, que tem que acabar. Pedi para que os economistas amigos do MST pesquisem o seguinte: estou desconfiado de que o Brasil é o único país do mundo a manter o superávit primário. Na Europa, todos os países são deficitários.

ABr – O que mais é necessário?

Stedile – Aplicar recursos e garantir emprego para todo mundo. Todo brasileiro adulto tem que ter direito a emprego. Foi o que Roosevelt fez para tirar os Estados Unidos da crise e transformar em potência mundial. Isso não é novidade. Isso tudo que estou dizendo não é radicalismo.

ABr – Como fica a defesa da reforma agrária em meio a um contexto de crise financeira?

Stedile – A reforma agrária fixa o homem no campo e desfaveliza o país. Além disso, contribui para a produção de alimentos. Os únicos que produzem alimentos são camponeses. O agronegócio produz celulose, etanol, algodão, soja, mas comida não. Quem produz leite, arroz e feijão é o camponês. Essa seria a maneira de ativarmos a produção agrícola. Mas não é voltar àquela reforma agrária antiga.

ABr – E como é a reforma agrária moderna?

Stedile – Agora, queremos outro tipo de reforma agrária. Trata-se de uma reforma agrária que combine o camponês com as agroindústrias cooperativadas. Em vez de o BNDES dar R$ 1 bilhão para a Nestlé, por exemplo, deveria dar o mesmo valor para 100 cooperativas de camponeses que vão pasteurizar o leite, fazer iogurte e vender em sua região. Não precisa mais ter Nestlé. Tem que ter cooperativa de pequenos agricultores. Agora, sem dinheiro público não tem cooperativa que funcione, assim como não tem Nestlè que funcione sem dinheiro do BNDES. Em vez de o BNDES dar R$ 1 bilhão para que a Aracruz saia do prejuízo que ela teve, ele deveria pegar esse dinheiro e emprestar para os camponeses reflorestarem as margens dos rios. Teríamos outra paisagem no país, um reequilíbrio ambiental . Não teria essa loucura do monocultivo do eucalipto que desequilibra toda nossa natureza.

ABr – O senhor falou da necessidade de um programa de construção de casas. Como o senhor avalia o programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo, que visa à construção de 1 milhão de casas populares?
Stedile – O programa de habitação é bom. Espero que o governo tenha capacidade de operação para que de fato 1 milhão de casas sejam financiadas. O meu medo é que o governo deixe isso para o mercado. O governo cria as condições, libera recursos e aí diz que o mercado vai construir 1 milhão de casas. Nunca vi construtora ganhar dinheiro fazendo casa para pobre. Será que não seria melhor voltar a estimular as cooperativas, os mutirões que, de qualquer maneira, vão comprar cimento, vidro, luz elétrica. Mas deixar para empresas construir é um perigo. Seria melhor então deixar para uma empresa estatal como o Chávez [Hugo Chávez, presidente da Venezuela] faz.

ABr – E quanto ao PAC? O governo tem enfatizado que o programa vai ajudar a enfrentar os efeitos da crise. O que o senhor acha?

Stedile – O PAC é um projeto antigo, de antes da crise e tem o objetivo de financiar hidrelétricas, portos e caminhos para que as multinacionais exportem mais barato. Mas agora, com a crise, é necessário pensar outra matriz industrial para resolver problemas do povo, não da exportação.

link para postagem original:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/stedile-diz-que-o-governo-tem-medo-do-debate-sobre-a-crise/

A Real Face da Monsanto

entrevista com Marie-Monique Robin, escritora e documentarista francesa.

entrevista realizada por Darío Aranda, para o jornal argentino Página 12.


Como define a Monsanto?

Monsanto é uma empresa deliquente. E digo por que há provas concretas disso. Foi muitas vezes condenada por suas atividades industriais, por exemplo o caso dos PCB, produto que agora está proibido, mas que segue contaminando o planeta. Durante 50 anos o PCB esteve nos transformadores de energia. E a Monsanto, que foi condenada por isso, sabia que eram produtos muito tóxicos, mas escondeu informação e nunca disse nada. E é a mesma história com outros dois herbicidas produzidos por Monsanto, que formaram o coquetel chamado “agente laranja” utilizado na guerra do Vietnã, e também sabia que era muito tóxico e fez o mesmo. E mais, manipulou estudos para esconder a relação entre as dioxinas e o câncer. É uma prática recorrente na Monsanto. Muitos dizem que isto é o passado, mas não é assim, é uma forma de obter lucros que ainda hoje está vigente. A empresa nunca aceitou seu passado nem aceitou responsabilidades. Sempre tratou de negar tudo. É uma linha de conduta, e hoje acontece o mesmo com os transgênicos e o Roundup.


Quais são as práticas comuns da Monsanto na ordem global?

Tem práticas comuns em todos os países onde atua. Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso, também mente e falsifica estudos sobre seus produtos. Outra particularidade que se repete na Monsanto é que cada vez que cientistas independentes tratam de fazer seu trabalho a fundo com os transgênicos, têm pressões ou perdem seus trabalhos. Isso também acontece nos organismos dos Estados Unidos como são a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) ou EPA (Agência de Proteção Ambiental). Monsanto também é sinônimo de corrupção. Dois exemplos claros e provados são a tentativa de suborno no Canadá, que originou uma sessão especial do Senado canadense, quando se tratava a aprovação do hormônio de crescimento leiteiro. E o outro caso é na Indonésia, onde a Monsanto foi condenada porque corrompeu a cem altos funcionários para por no mercado seu algodão transgênico. Não duvidamos que exista mais casos de corrupção onde a Monsanto é quem corrompe.


Você também afirma que a modalidade de “portas giratórias” é uma prática habitual.

Sem dúvida. Na história da Monsanto sempre está presente o que nos Estados Unidos se chama “a porta giratória”. Um exemplo claro: o texto de regulamentação que regula os transgênicos nos Estados Unidos foi publicado em 1992 pela FDA, a agência norteamericana encarregada da seguridade de alimentos e medicamentos. A qual se supõe é muito séria, ao menos sempre eu pensava isso, até antes deste trabalho. Quando diziam que um produto havia sido aprovado pela FDA pensava que era seguro. Agora sei que não é assim. No '92, o texto da FDA foi redigido por Michael Taylor, advogado da Monsanto que ingressou na FDA para fazer esse texto e logo foi vice-presidente da Monsanto. Um exemplo muito claro de “porta giratória”. Há muitos exemplos, em todo o mundo.

Monsanto fabricou o agente laranja, PCB e glifosato. E tem condenações por publicidade enganosa. Por que tem tão boa reputação?

Por falta de trabalho sério dos jornalistas e a cumplicidade dos políticos. Em todo o mundo é igual.

Por que a Monsanto não fala?

Tentou chamá-los?


Sim, mas não aceitaram perguntas.

Também é o mesmo em todo o mundo. Ante qualquer jornalista crítico, a Monsanto tem uma só política: “Não comentes” (sem comentários).

O que significa a Monsanto no mercado mundial de alimentos?

A meta da Monsanto é controlar a cadeia alimentar. Os transgênicos são um meio para essa meta. E as patentes uma forma de conseguí-lo. A primeira etapa da “revolução verde” já ficou para trás, foi a de plantas de alto rendimento com utilização de pesticidas e a contaminação ambiental. Agora estamos na segunda etapa dessa “revolução”, onde a chave é fazer valer as patentes sobre os alimentos. Isto não tem nada a ver com a idéia de alimentar ao mundo, como se publicou em seu momento. A única finalidade é aumentar os lucros das grandes corporações. Monsanto ganha em tudo. Ela vende o pacote tecnológico completo, sementes patenteadas e o herbicida obrigatório para essa semente. Monsanto te faz firmar um contrato pelo qual te proíbe conservar sementes e te obriga a comprar Roundup, não se pode utilizar um glifosato genérico. Neste modelo Monsanto ganha em tudo, e é tudo ao contrário da segurança alimentar. De passagem, recordemos, que a soja transgênica que se cultiva aqui não é para alimentar aos argentinos, é para alimentar aos porcos europeus. E o que acontecerá na Argentina quando as carnes da Europa terem que ser etiquetadas sendo que foram alimentadas com soja transgênica? Se deixará de comprar carnes desse tipo e a Argentina também receberá o golpe, porque lhe abaixará a demanda de soja.

Esteve na Argentina, Brasil e Paraguai. Que particularidades encontrou na região?

Deve-se recordar que a Monsanto entrou aqui graças ao governo de Carlos Menem, que permitiu que a soja transgênica entrasse sem nenhum estudo. Foi o primeiro país da América Latina. Depois da Argentina organizou-se um contrabando de sementes transgênicas, de grandes produtores, para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las porque eram cultivos que depois se exportavam. E depois veio a Monsanto a reclamar suas regalias. Foi incrível como se expandiu a soja transgênica na região, e em tão poucos anos. É um caso único no mundo.


Na década de 90 a Argentina era denominada como aluno modelo do FMI. Hoje, com 17 milhões de hectares com soja transgênica e a utilização de 168 milhões de litros só de glifosato, pode-se dizer que a Argentina é um aluno modelo dos agronegócios?

Sim, claro. A Argentina adotou o modelo Monsanto em tempo recorde, é um caso pragmático. Mas também houve alguns problemas com o aluno modelo. Como as sementes transgênicas são patenteadas, Monsanto tem o direito de propriedade intelectual. Isso significa, como o vi no Canadá e Estados Unidos, que lhes fazem firmar aos produtores um contrato nos quais se comprometem a não conservar parte de suas colheitas para ressemear no próximo ano, o que fazem os agricultores de todo o mundo. A Monsanto o denuncia como uma violação de sua patente. Então a Monsanto envia a “polícia de genes”, que é algo incrível, detetives privados que entram nos campos, tomam amostras , verificam se é transgênico e se o agricultor tem comprado suas sementes. Se não as tem comprado, realizam juízos e a Monsanto ganha. É parte de uma estratégia global: a Monsanto controla a maioria das empresas sementeiras e patenteia as sementes, exigindo que cada campesino compre suas sementes. O que aconteceu aqui é que a lei argentina não proíbe guardar sementes de uma colheita e utilizá-las na próxima semeadura. Em um primeiro momento a Monsanto disse que não iria pedir regalias, e deu sementes baratas e Roundup barato. Mas em 2005 começou a pedir regalias, rompeu o acordo inicial e por isso mantém um enfrentamento judicial com seu aluno preferido.

O Roundup tem um papel protagonista neste modelo. Muitas comunidades campesinas e indígenas denunciam seus efeitos, mas existem poucas proibições.

É um impacto incrivelmente silenciado. Ninguém pode negar o que trazem as esterilizações com este herbicida, totalmente nocivo. Tenho a segurança de que será proibido em algum momento, como foi o PCB, estou segura de que chegará este momento. De fato na Dinamarca já foi proibido por sua alta toxicidade. É urgente analisar o perigo dos agroquímicos e os OGM (Organismos Geneticamente Modificados).

Contudo, as grandes empresas do setor prometem há décadas que com transgênicos e agrotóxicos se conseguirá aumentar a produção, e assim acabar com a fome do mundo.

A Argentina é o melhor exemplo dessa mentira. Como tem ido com a sojização do país? Tem se perdido na produção de outros alimentos básicos e ainda há fome. Este modelo é o modelo do monocultivo, que acaba co outros cultivos vitais. É uma transformação muito profunda da agricultura, que leva diretamente à perda da soberania alimentar, e lamentavelmente já não depende de um governo para poder revertê-lo.

Por que ao processo agrário atual você o chama “a ditadura da soja”?

É uma ditadura no sentido de um poder totalitário, que abrange tudo. Deve-se ter claro que quem controla as sementes controla a comida e controla a vida. Nesse sentido, a Monsanto tem um poder totalitário. É tão claro que até a Syngenta, outra grande empresa do setor e competidora da Monsanto, chamou ao Brasil, Paraguai e Argentina “as repúblicas unidas da soja”. Estamos frente a um programa político com finalidades muito claras. Uma pergunta simples o demonstra: quem decide o que se vai cultivar na Argentina? Não o decide nem o governo nem os produtores, o decide a Monsanto. A multinacional decide o que se semeará, sem importar aos governos, o decide a empresa. E, para pior, a segunda onda de transgênicos vai ser muito forte, com um modelo de agrocombustíveis que acarretará mais monocultivos. E, a esta altura, já está claro que o monocultivo é perda de biodiversidade e é todo contrário à segurança alimentar. Já não há dúvidas de que o monocultivo, seja o da soja ou para biodiesel, é o caminho para a fome.

Qual é o papel da ciência no modelo de agronegócios, onde a Monsanto é só sua cara mais famosa?

Antes pensava que quando um estudo era publicado em uma prestigiosa revista científica, se tratava de um trabalho sério. Mas não. As condições em que se publicam alguns estudos são tristes, com empresas como Monsanto pressionando aos diretores das revistas. No tema transgênico fica muito claro que é quase impossível realizar estudos do tema. Em muitas partes do mundo, os Estados Unidos ou a Argentina, os laboratórios de investigações são pagos por grandes empresas. E quando o tema é sementes, transgênicos ou agroquímicos, a Monsanto sempre está presente e sempre condiciona as investigações.

Os cientistas tem temor ou são cúmplices?

Ambas as coisas. O temor e a cumplicidade estão presentes nos laboratórios do mundo. No livro deixo claro que há cientistas, em todos os países, cuja única função é legitimar o trabalho da empresa.

Qual é o papel dos governos para que empresas como Monsanto avancem?

Os governos são os melhores propagandistas dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados). Realizam um trabalho de lobby incrível. A Monsanto leva seus estudos, sua informação, suas revistas e fotos, tudo muito lindo. E diz aos políticos que não haverá contaminação e salvará ao mundo. E os políticos entram na dela. E também há pressões. Deputados franceses tem denunciado publicamente as pressões da Monsanto, até reconheceram que a companhia contatou a cada um dos 500 deputados para que legislem segundo os interesses da empresa.

E o papel dos meios de comunicação?

Me dá muita pena porque sou jornalista e acredito no que fazemos, acredito que é uma profissão com um papel muito importante na democracia, mas há uma grande manipulação dos meios. Em todo o referido aos transgênicos, a imprensa não trabalha seriamente. Os meios olham a propaganda da Monsanto e a publicam sem questionamentos, como se fossem empregados da empresa. Também é público que a Monsanto convida a comer aos periodistas, lhes dá regalias, os leva de viagem a Saint Louis (onde está sua sede central); os jornalistas vão muito contentes, passeiam pelos laboratórios, não perguntam nada e vão. Assim funcionam os meios com a Monsanto. Também registrei casos nos quais a Monsanto busca, em cada meio de comunicação, um defensor. Estabelece contato com ele e consegue opiniões favoráveis. Não sei se há corrupção, mas sei que a Monsanto consegue seu objetivo. Na Argentina é claro como atua, ao ver alguns artigos de suplementos rurais se vê que em lugar de artigos jornalísticos são publicidades da Monsanto. Não pareceria que um jornalista o escreveu, foi diretamente a companhia.

Que avaliação faz do enfrentamento entre o governo e as entidades patronais do agronegócio?

Em 2005 entrevistei a Eduardo Buzzi, estava furioso pelo assunto das regalias reclamadas pela Monsanto. Falava dos enganos da Monsanto. E, além disso, falava dos problemas que trazia a soja, até me pôs em contato com pequenos produtores que me falaram das mentiras da Monsanto, da resistência que mostravam as ervas daninhas, que tinha que utilizar mais herbicidas e que os campos ficavam como terra morta. Buzzi sabia tudo isso e me dizia que questionava esse modelo, afirmava que a soja trazia a destruição da agricultura familiar e me dizia que a Federação Agrária representava esse setor, que enfrentava aos pools de semeadura e às grandes empresas. E Buzzi denunciava muito este modelo, muito bom discurso. Mas agora não é o que acontece. Nunca o voltei a ver e gostaria de perguntar-lhe o que lhe aconteceu que agora se une com as entidades mais grandes, me estranha muito a mudança que mostra. E acima de Buzzi está com Aapresid (Associação Argentina de Produtores de Semeadura Direta – integrada por todas as grandes empresas do setor, incluindo as sementes e agroquímicas), que é a que mais ganha com todo esse modelo, e que apareceu pouco neste conflito. Aapresid manipula tudo e está com os grandes sojeiros, que não são agricultores e que até promovem um modelo sem agricultores. Então não entendo como a Federação Agrária disse representar produtores pequenos e está com a Aapresid. O que a Federação Agrária é muito estranho, não se entende.

E o papel do governo?

As retenções podem ser que frenem algo do processo de sojização. Mas não é uma solução frente a um modelo tão agressivo. A solução tem que ser algo muito mais radical e não a curto prazo. Claro que a tentação dos governos é grande, a soja traz bons rendimentos, mas deve-se pensar a longo prazo. Não há soluções simples e de curto prazo para um modelo que tira campesinos de suas terras e, mediante esterilizações, contamina a água, a terra e a população.

(matéria recebida por e-mail)

domingo, 5 de abril de 2009

Entrevista de Protógenes Queiroz à revista Caros Amigos

tirado da edição 141 da revista caros amigos, dezembro de 2008.

ponto da entrevista: como muita gente ficou riquissima enfiando o Brasil no buraco da divida pública e como ela foi construída.


- MYLTON SEVERIANO - Fim da Ditadura.

- PROTÓGENES - E transição para o regime civil. José Sarney pega o país em frangalhos, devendo até a alma, sem dinheiro para financiar as contas públicas, muito menos honrar compromissos, a famige­rada dívida com o FMI. Havia até o “decrete-se a moratória”. Era o papo nosso, da esquerda, dos estudantes, “não vamos pagar, já levaram tudo”. E o Sarney, o que faz? Bota a mão na ma­nivela e nossos títulos da dívida externa valiam, no mercado internacional, no máximo 20% do valor de face, era negociado na bolsa de Nova York. No paralelo valiam 1%. O que significa? Não passa pela bolsa. Comprei, quero me livrar, então 1% do valor de face, título de um país “à beira de uma convulsão social, ninguém sabe o que vai acontecer com aquele país, um conjunto de raças da pior espécie”: essa, a visão primeiro­mundista, o que representávamos para os ban­queiros. Escória. E aqui estávamos, discutindo a reconstrução do país. Vamos dialogar, botar os partidos para funcionar, eleições, e o Sar­ney tendo que dar uma solução. Fecha a mani­vela e toca a jogar título no mercado de Nova York. Cada título que valia 10%, 15%, mandava dinheiro aqui para dentro. Seis anos depois, o mercado financeiro internacional detectou que no Brasil haveria desordem, até guerra civil, e eles não iam receber o que tinham colocado aqui com a compra dos papéis podres, queriam receber mesmo os 15%. E fazem uma regrinha de três e colocam para o Banco Central: “Você vai instituir uma norma, os títulos da dívida ex­terna brasileira adquiridos no mercado finan­ceiro internacional, no nacional poderão ser convertidos junto ao Banco Central pelo valor de face desde que esse dinheiro seja investido em empresas brasileiras.” Bacana, não? Se fun­cionasse como ficou estabelecido, nosso país se­ria uma potência, não? Ainda que uma norma perfeita, acho um critério não normal, não é? Não é moralmente ético eu comprar um título por 15% e ter um lucro de 100%, em tão pou­co tempo. Mas enquanto regra de mercado fi­nanceiro tenho de admitir que sou devedor. Se vendi a 15%, na bolsa, assumi o risco de, no fu­turo, o lucro ser maior para o credor. Tenho que pagar. Foi assim que foi feito? Não. Será que o grupo Votorantim recebeu algum dinhei­ro convertido? Alguma outra empresa nacional do porte recebeu? Não. O que o sistema mon­tou? Uma grande operação em determi­nado período para sangrar as reservas do país, e ainda tinha as cartas de inten­ção, que diziam “se você não me pagar posso explorar o subsolo de 50 mil qui­lômetros da Amazônia”.

WAGNER NABUCO - Era a fiança?
PROTÓGENES - Sim. Então me deparo com um ban­co, o Paribas, hoje BNP-Paribas que se uniu ao National de Paris. Com três diretores, em São Paulo, e dois outros, mais um contador que foi assassinado e um laranja que se chamava Alberto. O banco adquire esses títulos, no va­lor de 20 milhões de dólares, não é? E converte no Banco Central e aplica em empresas brasileiras, empresas-laran­ja. Comprou no paralelo a 1 %, eram 200 mil dólares, e converteu a 20 mi­lhões de dólares aqui no Brasil e colo­cou nessa empresa-laranja…

MYLTON SEVERIANO Empresa de quê?
PROTÓGENES - De participações. Chamava-se Al­berto Participações, com capital so­cial de 10 mil reais. Já tem coisa erra­da. Como uma empresa com capital de 10 mil reais pode receber um investi­mento estrangeiro da ordem de 20 mi­lhões? Cadê o patrimônio da empresa? Como é que o Banco Central aprova? Mando pegar o processo. Ela investiu, vamos ver aon­de o dinheiro vai. Converteu os 20 milhões e ao longo de doze meses o dinheiro é sacado mensalmente na boca do caixa em uma conta e convertido no dólar paralelo e enviado para a matriz em Paris. Eu digo “Banco Central, me dá o processo do Paribas”. Aí não consi­go, quem consegue é o procurador que tra­balhava comigo, Luiz Francisco. Consegue e remete pra mim em São Paulo. Vejo que no Banco Central houve uma briga interna pela conversão. Os técnicos se indignaram, e inde­feriram. Aí houve uma gestão forte para que houvesse a conversão. De quem? Do ministro da fazenda. Que era quem?

MYLTON SEVERIANO - Fernando.
MARCOS ZIBORDI - Henrique.
MYLTON SEVERIANO - Cardoso.
PROTÓGENES - Tento localizar os banqueiros. Todos fugi­ram. Os franceses todos. O contador, assassina­do. O laranja Alberto morreu de morte natural, enquanto nós estudantes lutávamos, dizíamos que a dívida externa não existia, e, de fato, par­te dela era artificial. A coisa é grave, vamos fa­zer uma continha, nós contribuintes, que cre­mos que existe uma ordem no país. Títulos que adquiri por 200 mil, converti no Brasil os 20 milhões de dólares, quanto tive de lucro? 19 milhões e 800 mil. Vamos fazer essa continha para vocês dormirem direito hoje. Esses 19 mi­lhões mandei para minha matriz, o papel está na minha mão ainda, porque dizia o seguinte a norma do Banco Central: ao converter esse tí­tulo, invista em empresa brasileira, e ao final de doze anos “Brasil, mostre a sua cara e me pague aqui, você me deve, pois sou credor des­sa nota promissória chamada título da dívida externa brasileira”. Está na lei. Bota aí. Soma 20 milhões com 19 milhões e 800 mil: 39 mi­lhões e 800 mil. Nós devemos isso aí? E mais, o que pedi? Que o juiz bloqueasse o título do Paribas, não pagasse, indiciei os diretores. Por quê? Porque estava se aproximando o final dos doze anos, o título estava vencendo e tínhamos que pagar. Pedi que o Banco Central enviasse cópia de todos os processos de conversão da dí­vida externa brasileira pra mim. Estou esperan­do até hoje. Sabe o que o Banco Central falou? “O departamento não existe, nunca existiu, era feito por uma seção aleatoriamente lá no Banco Central.” Então nós não devemos esse montan­te de milhões que cobram.

RENATO POMPEU - Só não entendi o que o Fernando Henrique Cardoso ganhou com isso.
PROTÓGENES - Calma, calma. Sobrou uma para contar a his­tória. A Célia da Avenida São Luís. A mulher de verdade. Era companheira do Alberto, ex-embai­xador do Brasil no Líbano. Quando estourou a guerra ele fugiu e viveu na França, estudando na Sorbonne. Quem ele conhece lá?

MYLTON SEVERIANO - Fernandinho.
PROTÓGENES - Colegas de faculdade. A Célia, marquei de­poimento numa quinta, véspera de feriado, às seis da tarde na superintendência da Polícia Federal. Uma morena bonita, quase 60 anos, me disse que tinha sido miss, modelo, era só­cia nessa empresa, tinha tipo 1 %. Furiosa, “que absurdo, véspera de feriado, perder meus negó­cios, engarrafamento”. Já estava gritando no corredor. Dei um molho de uns trinta minutos até ela se acalmar. Pensei “essa mulher está fu­riosa e tem culpa no cartório”. Falei “obriga­do por ter vindo”, e ela “obrigado nada, o se­nhor é indelicado, desumano, sou dona de uma indústria de sorvetes, e me chama numa hora importante porque tenho que distribuir sorve­te, é feriado, o senhor não tem coração”. No meio da esculhambação, digo “tenho que cum­prir meu dever, sou funcionário público”, e ela “aposto que é o caso daquele Paribas, não sei por que ficam me chamando, e tem mais, fui companheira do Alberto, e ele foi muito mais brasileiro que muita gente. Era digno, hones­to, ficam manchando a alma dele. Eu ajudei ele até o fim da vida, inclusive sustentei parte da família dele”. Percebi que não sabia a verdade, ela disse “ele morreu pobre, ficou esperando a conversão dessa dívida que nunca houve”. De­talhe: na quebra de sigilo bancário encontrei um cheque do Alberto que ele recebeu, 64 mi­lhões, na boca do caixa do banco Safra. E ele transfere as cotas para uma empresa criada pelo Paribas em nome dos diretores.

MYLTON SEVERIANO - No Brasil?
PROTÓGENES - Já é um Paribas do Brasil. Transfere para a subsidiária, e os diretores começam a sa­car. O primeiro quem recebe é ele, valor equi­valente a 5%. E ela disse “ele não recebeu a comissão dele que era de 5%”. Bateu! Tran­quei o gabinete, falei “vou mostrar um do­cumento, mas se disser que mostrei, pren­do a senhora”, era a cópia do cheque, com assinatura e data. A mulher começou a cho­rar. “Desgraçado. Que o inferno o acolha!” Ela disse “tenho muito documento na minha casa”. Se fizesse pedido de busca e apreensão chamaria atenção da Justiça, teria um inde­ferimento. Essa investigação estava sendo arrastada. Fiz uma busca e apreensão ao in­verso, “a senhora permite que selecione o que quero?”, ela disse “perfeito”. Naquela véspera de feriado, peguei dois agentes, con­trariando colegas que queriam ir embora…

MYLTON SEVERIANO - Qual o ano?
PROTÓGENES - 2002. Saímos de lá de madrugada, era um apartamento antigo, magnífico. Ela cho­rando, “desgraçado, até comida na boca eu dei”. Ela me dá uma agenda, “aqui parecia o Banco Central, eu atendia o doutor Alberto, da área internacional”. Encontrei documen­tos, agendas que vinculavam ele ao Armínio Fraga, ao Fernando Henrique, inclusive uma carta manuscrita, não vou falar de quem, de­pois confirmada, ela falou “levei esse presen­te, pessoalmente, até a casa do Fernando”. Mandei documentos para perícia. Na época era eleição do Fernando Henrique.

RENATO POMPEU - Não, do Lula.
PROTÓGENES - Isso. Lula venceu contra Serra. Fernando Henrique era presidente.

RENATO POMPEU - Ele recebeu dinheiro então?
PROTÓGENES - Vamos pegar a linha do tempo. Ele sai de ministro da Fazenda e vira presidente. O ge­rente da área internacional que dá o parecer no processo, quem era? Armínio Fraga. Que presidiu o Banco Central. Essa investigação não sei que fim deu. Pedi ao Banco Central o bloqueio de todos os títulos da dívida externa brasileira que foram convertidos. E pedi cópia de todos os processos de conversão junto ao Banco Central para investigação.

RENATO POMPEU - Saiu na mídia?
PROTÓGENES - Em parte, mas foi abafado. Quem conseguiu publicar foi, se não me engano, a Época.

PALMÉRIO DÓRIA - Citando Fernando Henrique?
PROTÓGENES - Não, não citou. A reportagem era “Fraude à francesa”. Essa investigação surge da denúncia de um advogado, Marcos Davi de Figueiredo. Ele sofre uma pressão implacável dentro do ban­co. A Célia passa a ser ameaçada, logo que pres­ta depoimento entregando tudo. Inclusive os es­critórios que deram suporte a essa operação, um do Pinheiro Neto, e ela diz que sofria ameaça do próprio Pinheiro Neto. O procurador foi o dou­tor Kleber Uemura.

MARCOS ZIBOROI - É a última notícia?
PROTÓGENES - Sim. Parece que ele tinha conseguido a que­bra de sigilo bancário. Depois o dinheiro saiu no mercado paralelo e entraram grandes empresas com esquemas de saída de dinheiro. Tinha a Co­tia Trading, que tinha uma coisa com a Volkswa­gen. Entra gente muito poderosa no esquema. Pedi a quebra de sigilo de todas as pessoas que participaram da fraude. E o Kleber conseguiu, aí não acompanhei mais. O Tribunal Federal deu a decisão de que era para não ter quebra de sigilo, era a juíza, salvo engano, Sylvia Steiner. Dá de­cisão favorável ao banco. Meses depois é nomea­da juíza do Tribunal Penal Internacional pelo…

RENATO POMPEU - … excelentíssimo presidente da República

a entrevsita prossegue além deste ponto.

link para a entrevista no sitio da revista caros amigos:

http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed141/protogenes.asp

terça-feira, 24 de março de 2009

As Inconstitucionalidades da Revisão do PDE

Abaixo, texto encaminhado ao Ministério Público pelas entidades, discorre sobre a inconstitucionalidade dessa revisão do Plano Diretor Estratégico, em diversos pontos.

Abaixo, alguns tópicos que tornam este projeto inconstitucional:

A Prefeitura não cumpriu o processo de ampla participação popular exigido pelo Estatuto da Cidade antes do envio do projeto aos vereadores. A ausência de participação popular na revisão do Plano Diretor pode acarretar inclusive as penalidades previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, nos termos do que dispõe o art. 52 do Estatuto da Cidade. Nos processos de revisão dos Planos Diretores deve ser garantida a publicidade através de: (i) ampla comunicação em linguagem acessível nos meios de comunicação de massa (ii) ciência do cronograma, locais de reunião, apresentação de estudos e propostas com antecedência mínima de 15 dias; (iii) publicação e divulgação dos resultados dos debates e propostas adotadas nas diversas etapas do
processo (art. 4°, Resolução 25, Conselho Nacional das Cidades).
O processo apenas prevê formalmente a realização de "plenárias descentralizadas" . No entanto estas reuniões não têm a adequada divulgação ou a disponibilizaçã o de informações que permitam embasar o posicionamento da sociedade civil. Neste contexto de deliberada desinformação e desorganização só pode prevalecer o caos ou o acobertamento interesses escusos não confessáveis em ambiente público. Estas plenárias cumprem apenas um papel burocrático, servindo apenas para referendar, sem possibilidade real de deliberação sobre o amplo conjunto de alterações propostas.
Dos cerca de 43 Instrumentos Normativos Previstos no PDE, apenas 6 foram implementados, sendo que permanecem cerca de 37 sem regulamentação. Sua não implementação demonstra o pouco interesse do executivo em implementar a legislação urbanística da cidade. Na proposta de Revisão apresentada por SEMPLA são suprimidos sem nenhuma explicação ou avaliação todos os artigos relativos à políticas públicas, em especial no TÍTULO II - DAS POLÍTICAS PÚBLICAS:
OBJETIVOS, DIRETRIZES E AÇÕES ESTRATÉGICAS - do artigo 15 em diante
do CAPÍTULO I .
Assim são suprimidas as Diretrizes, Objetivos e Ações Estratégicas das áreas de do Desenvolvimento Econômico e Social, Turismo, Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida, Trabalho, Emprego e Renda, da Educação, da Saúde, Assistência Social, Cultura, Esportes, Lazer e Recreação, Segurança Urbana, Abastecimento, Agricultura Urbana.
A supressão desses artigos afrontam a Lei Orgânica e a Lei do PDE pois retiram-se de roldão todas as "demais políticas públicas que excedem o âmbito da fixação da política de desenvolvimento urbano, no aspecto da ordenação físico-territorial e cumprimento das funções
sociais da cidade, que regem-se pelas disposições da Lei Orgânica do Município" (Art. 19 da Minuta de Revisão do PDE). O que se vê é a redução de áreas destinadas à habitação popular, a
alteração de índices urbanísticos, coeficientes de aproveitamento, recuos, gabaritos de edificações sem debate público e controle social, chegando a infringir dispositivos do Estatuto da Cidade, tal como a obrigatoriedade de reassentar os moradores de baixa renda removidos de áreas de Operações urbanas em áreas desta mesma Operação, retirando componentes como o "direito à terra urbana" contido no conceito de direito á cidade sustentável definido no Estatuto da Cidade. Atém mesmo disposições do Estatuto dos Idosos, a proposta de revisão da Prefeitura retira, contida no plano vigente como "previsão de reserva de parcela das unidades habitacionais para atendimento dos idosos", uma das ações estratégicas da Política Habitacional.
O processo de revisão possui, claramente, dois objetivos (de acordo com o artigo 293 do PDE vigente):
1. O de promover adequações, devendo esta ser entendida como correções e aprimoramentos da lei para atingir os objetivos definidos no capítulo II "Dos princípios e objetivos gerais do Plano Diretor Estratégico", do Título I, que trata da "Conceituação, finalidade, abrangência e objetivos gerais do plano diretor estratégico".
As adequações da revisão do Plano Diretor se restringem as "ações estratégicas" de acordo com o 'caput' do artigo 293. As ações estratégicas estão previstas no Título II do Plano Diretor estratégico em vigor, Lei Municipal nº 13.430/2002, que trata "Das Políticas Públicas: Diretrizes e Ações Estratégicas".
Desta forma, as adequações possíveis na revisão em comento devem restringir-se ao aprimoramento e correções do Título II, que é integrado pelos seguintes capítulos:
- Do Desenvolvimento Econômico Social (cap. I)
- Do Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida (cap. II)
- Do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Urbano (cap. III)
2. O de promover acréscimo de áreas passiveis de aplicação dos instrumentos previstos na Lei Federal nº 10.257/2001 - Estatuto da Cidade e previsto no Plano Diretor vigente, quais sejam:
- os instrumentos de ordenação territorial (cap. II, Título III).
- os Instrumentos de Gestão Urbana e Ambiental (cap. III, Título III).
- os Instrumentos de Gestão democrática (Título IV).
Não há qualquer obrigatoriedade de revisão dos Planos Regionais e Lei de Uso e Ocupação do Solo concomitantemente à revisão do Plano Diretor, pelo contrário, querer proceder a revisão deste conjunto de leis ao mesmo tempo, impossibilita a participação da sociedade civil em todos esses processos de discussão pública e definição do futuro da cidade.


Na manifestação do defensor Carlos Loureiro na ação civil pública foram enumerados uma série de argumentos que demonstram a necessidade de mais debate sobre o tema:

1) O processo participativo foi coordenado pelo próprio governo, quando deveria ter sido por um órgão com representantes da sociedade civil;

2) A convocação para as audiências públicas, embora realizada com 15 dias de antecedência, se deu apenas por jornais e em uma só oportunidade, o que não é suficiente para atingir toda a população da cidade;

3) Não houve publicação, nem divulgação dos resultados dos debates e das propostas que teriam sido acolhidas e/ou rejeitadas em cada uma das audiências públicas gerais e regionais;

4) A organização do processo participativo se deu apenas por divisão territorial, desprezando- se outros critérios como segmentos sociais (mulheres, indígenas, pessoas com necessidades especiais, entre outros) ou temas de política pública, como saúde, educação, transporte
etc;

5) O processo participativo de revisão do plano diretor não foi articulado com o planejamento orçamentário da cidade, o que impede saber se haverá verbas suficientes para cumprimento das alterações realizadas;

6) Não houve nenhuma ação de sensibilização, mobilização e capacitação da população da cidade, que é necessária para que o cidadão possa compreender o planejamento urbano e participar.

Moradores do parque Cocaia I paralisam avenida no Grajaú

Cerca de 250 pessoas obstruíram a Av. Belmira Marim, no Grajaú; moradores cobram ações da Prefeitura e denunciam cheque-despejo

por Jonathan Constantino, no sítio internet do jornal Brasil de Fato
de São Paulo (SP)


Por volta das 10 horas da manhã desta terça-feira (24), cerca de 250 moradores do Parque Cocaia I paralisaram a Avenida Belmira Marim, a principal via da região do Grajaú, no extremo Sul da capital paulista. Os protestos duraram cerca de uma hora. A via foi obstruída por barricadas e houve queima de objetos.

De acordo com lideranças comunitárias, um batalhão da Polícia Militar esteve no local, e o sargento que comandava a ação foi bastante truculento. Não houve confronto, mas foram feitas diversas ameaças para coagir os manifestantes. Após o término da mobilização, os manifestantes seguiram em passeata até a comunidade, que é ao lado da avenida.

Falta de diálogo

Maria Gorete Barbosa, líder comunitária, disse que o objetivo da mobilização era chamar a atenção das autoridades municipal e estadual para buscar um canal de negociação a respeito dos despejos que estão sendo efetuados na região. “Os moradores reivindicam moradia”, disse Maria Gorete. De acordo com ela, há moradores que residem na região há mais de 30 anos. O local possui asfalto, energia elétrica, escola próxima, comércios e, em alguns pontos, rede de esgoto. A Prefeitura, porém, não se propõe a dialogar com a comunidade para encontrar uma solução, restringindo-se a oferecer um cheque-despejo.

“O que dá para fazer com esse dinheiro? Nada, dá no máximo para comprar um barraco em outra favela, na beira de um córrego”, indigna-se.

A Prefeitura não se propõe a dialogar com os moradores e não expõe com transparência seus objetivos, denuncia Gorete. De acordo com a líder, após o carnaval uma equipe foi ao local e fez o cadastro das famílias que moram na região. Os agentes disseram aos moradores que o objetivo era propor melhorias nas condições de vida da população. Em 5 de março, porém, a população local descobriu que o cadastro era uma preparação para o despejo e tinha o objetivo de levantar o nome das pessoas que receberiam o cheque.

Luís*, uma das lideranças da mobilização, salientou que como grande parte das casas é de alvenaria, o valor do cheque-despejo não permite aos moradores se organizarem em outro local, com as mesmas condições. Disse, também, que a Prefeitura não tem um projeto de realocação dessas pessoas.

Segundo Gorete, os moradores que já saíram de suas casas estão fazendo o que podem para se realocar. Alguns foram para a casa de parentes, outros compraram passagens e estão voltando para sua terra de origem. “O que eles querem [a Prefeitura], é deixar a gente num lugar pior do que já está?”, questiona.

O ato desta manhã é parte da resistência dos moradores. De acordo Luís*, cerca de 2 mil famílias moram no Parque Cocaia I. Destas, 250 estão sendo atingidas de imediato.

Luís salienta que, até 2012, o projeto irá interferir em mais 80 comunidades da região. Mas, de acordo com o documento do projeto, não há uma estimativa exata do número de pessoas que serão afetadas. Os dados apontados no documento também são muito imprecisos. “Para você ter ideia, no projeto ao qual tivemos acesso não estava previsto o despejo de nenhuma pessoa onde foram despejasdas essas famílias agora”, conclui

Histórico

Iniciados em 16 de março, os despejos no Parque Cocaia I são parte da execução do Projeto Mananciais, cujo objetivos seriam melhorar as condições dos reservatórios de água da Região Metropolitana de São Paulo e desenvolver políticas adequadas para a gestão das bacias hidrográficas.

Após o carnaval, um grupo designado pela Prefeitura visitou a comunidade e fez a demarcação das casas que precisariam ser despejadas. Em 5 de março, foi realizada uma reunião com a comunidade, que foi comunicada do despejo e aos moradores foram entregues os cheques nominais (cheques-despejo).

“De início, o valor do cheque era R$ 5,8 mil, mas os moradores não aceitaram”, disse. A líder acrescentou ainda que após a recusa dos moradores, a equipe do Consórcio Santa Bárbara que conduzia as negociações, disse que abriria mão de parte do dinheiro a ser recebido pela execução da obra a fim de que se somasse mais R$ 3 mil a quantia destinada a cada família.

A partir da data dessa reunião, os moradores foram comunicados que teriam 10 dias para abandonar suas casas.


link para versão original:

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/moradores-do-parque-cocaia-i-paralisam-avenida-no-grajau

TABACO ENSINA O CAMINHO

por Marcelino de Queiroz
extraído do Livro O Alimento dos Deuses (Terence Mackena)


Enquanto os "iatroquímicos" do grupo de Paracelso disseminavam o uso do ópio na Europa, um exótico recém-chegado entrava silenciosamente no palco europeu. O tabaco foi o primeiro resulta­do, e o mais imediato, da descoberta do Novo Mundo. Em 2 de novembro de 1492, menos de um mês depois de sua primeira chegada ao Novo Mundo, Colombo desembarcou na costa norte de Cuba Ali o Almirante do Mar Oceano despachou dois membros da tripulação, carregados de presentes, para o interior da ilha, onde deveria residir o rei das muitas aldeias costeiras que ele vira. Sem dúvida, ainda havia alguma esperança na mente do almirante de que seus homens voltassem com notícias de ouro, pedras preciosas, madeiras finas e especiarias - a riqueza das Índias. Em vez disso, os batedores voltaram com um relato de homens e mulheres que inseriam parcialmente rolos de folhas acesas nas narinas. Esses rolos acesos eram chamados de tobacos e consistiam em ervas secas enroladas numa folha grande. Eram acesos numa extremidade e as pessoas sugavam na outra e "bebiam a fumaça" , ou inalavam, uma coisa totalmente desconhecida na Europa.
De Ias Casas, bispo de Chiapas, que publicou o relato de Colombo que traz essa descrição, acrescentou a seguinte observa­ção:
Sei de espanhóis que imitam esse costume, e quando repreendi a prática selvagem eles responderam que não ti­nham poder de refrear o hábito. Apesar de os espanhóis ficarem extremamente surpresos com esse costume, ao expe­rimentá-Io eles começaram a imitar o exemplo dos selvagens."
Quatro anos depois da primeira viagem, o eremita Romano Pane, que Colombo deixara no Haiti no final da segunda viagem ao Novo Mundo, descreveu em seu diário o hábito nativo de inalar a fumaça do tabaco com a ajuda de um instrumento feito de osso de pássaro, inserido no nariz e pousado sobre tabaco espalhado sobre um leito de carvões. As conseqüências dessa simples observação etnográfica ainda precisam ser calculadas. Ela introduziu na Europa um meio extremamente eficiente de utilizar drogas - inclusive muitas drogas potencialmente perigosas - no corpo humano. Tomou possível a pandemia do fumo em todo o mundo. Era a rota mais rápida e facilmente abusada para administrar o ópio e o haxixe. E foi o ancestral distante do vício de fumar cocaína em forma de crack e PCP. Além disso, deve ser dito, toma possível o mais profundo dos êxtases induzidos por alucinógenos indóis, a prática raramente encontrada, porém incomparável, de fumar dimetiltrip­tamina.

TABACOS XAMÂNICOS

Fumar tabaco era um hábito disseminado na América do Norte na época do contato com os europeus. Ainda que o hábito de cheirar pós alucinógenos contendo DMT também fosse comum na área cultural caribenha, não há relatórios confirmados de que outros materiais, além do tabaco, fossem fumados.
A alta cultura maia que floresceu até meados do século IX na América Central tinha um relacionamento antigo e complexo com o tabaco e o hábito de fumá-lo. O tabaco dos maias do período clássico era o Nicotiana rustica, ainda usado atualmente entre populações aborígines na América do Sul. Essa espécie é muito mais potente, quimicamente complexa e potencialmente alucinó­gena do que as categorias do Nicotiana tabacum disponíveis hoje em dia. A diferença entre esse tabaco e o cigarro é profunda. Esse tabaco selvagem era curado e enrolado em charutos que eram fumados. O estado semelhante ao transe que se seguia, parcialmen­te sinergizado pela presença de compostos que incluíam inibidores de OMA, era fundamental para o xamanismo dos maias. Antide­pressivos recentemente lançados, do tipo inibidor de OMA, são distantes parentes sintéticos desses compostos naturais. Francis Robicsek publicou vários textos sobre o fascínio maia com o tabaco e sua complexidade química:
Também deve-se reconhecer que a nicotina não é absolu­tamente a única substância bioativa na folha de tabaco. Re­centemente foram isolados alcalóides do grupo da harmala, harmânicos e não-harmânicos, dos tabacos comerciais cura­dos e de sua fumaça. Eles constituem um grupo químico de betacarbolinas que incluem a harmina, a harmaIina, a tetrai­droharmina e a 6-methoxy harmina, todas com propriedades alucinógenas. Ainda que, até agora, nenhuma variedade nati­va de tabaco tenha sido analisada em busca dessas substân­cias, é razoável supor que sua composição possa variar gran­demente, dependendo da variedade e do crescimento, e que alguns tabacos nativos possam contê-Ias numa concentração relativamente alta. 8
O tabaco era e é o adjunto das plantas alucinógenas mais poderosas e visionárias, sempre presente em todos os lugares das Américas em que elas foram usadas de modo tradicional e xamâ­nico. E um dos usos tradicionais do tabaco envolveu a invenção dos primeiros enemas, no Novo Mundo. Peter Furst pesquisou o papel dos enemas e clisteres na medicina e no xamanismo mesoamerica­nos:
Só recentemente veio à luz o fato de que os antigos maias, como os antigos peruanos, empregavam enemas. Descobriu­se que as seringas de enemas, ou clisteres narcóticos, e até mesmo rituais de enemas, foram representados na arte maia, e um exemplo notável é um grande vaso pintado que data de 600-800 A.D., onde um homem é representado segurando uma seringa de enema, aplicando o enema nele mesmo e fazendo uma mulher aplicá-Ia nele. Como resultado dessa cena recém-descoberta, o arqueólogo M. D. Coe pôde identi­ficar como uma seringa de enema, em outro vaso maia pinta­do, um curioso objeto seguro por uma deidade jaguar. Se os enemas dos maias antigos eram, como os dos índios peruanos, intoxicantes ou alucinógenos, eles podem ter consistido em balehé fermentado (hidromel). O balehé é uma bebida muito sagrada, e pode ter sido fortificada com tabaco ou infusões de sementes de ipoméia. Infusões de datura ou até mesmo de cogumelos alucinógenos podiam ser tomadas assim. Claro que eles também podiam ter usado somente uma infusão de tabaco,"

TABACO COMO REMÉDIO DE CHARLATÃES

Qualquer droga que passa a ser utilizada termina inevitavelmente associada a uma quantidade de teorias e tratamentos médicos charlatães. O abuso da cocaína, como veremos, foi precedido pela moda do tônico Vin de Mariani, e a heroína foi louvada como cura para o vício da morfma. Antes de nos afastarmos dos rituais de enemas dos maias, considere que em 1661 o médico dinamarquês Thomas Bartholin recomendava não somente enemas de suco de tabaco mas também enemas de fumaça de tabaco aos seus pacien­tes:
Quem já engoliu tabaco por acidente pode testemunhar seu efeito purgativo. Essa propriedade é empregada no clister de tabaco usado como enema. Meu amado irmão Erasmus mostrou-me o método. A fumaça de dois cachimbos [cheios de tabaco] é soprada nos intestinos. Um instrumento adequa­do para isso foi imaginado pelo engenhoso inglês.'?
Para não ser ultrapassado pelo inteligente inglês, um médico francês do século XVIII chamado Buc'hoz defendia o uso da "insuflação intravaginal de fumaça de tabaco para curar a histeria" .
Independente dessas aplicações excêntricas e exóticas do taba­co, e a despeito do escárnio do clero, o hábito de fumar espalhou-se rapidamente na Europa. Cada droga, durante o processo de intro­dução num novo ambiente cultural, é saudada como uma "droga do amor" , e essa talvez seja a publicidade mais eficiente. Drogas tão diversas como heroína e cocaína, LSD e MDMA foram em algum momento apresentadas como promotoras da intimidade sexual ou psicológica. O tabaco não foi diferente; parte do motivo para sua rápida disseminação foram as invencionices dos marinhei­ros sobre suas notáveis propriedades como afrodisíaco:
Os marinheiros diziam que as mulheres da Nicarágua fumavam essa erva e mostravam um ardor espantoso. Foi provavelmente esse boato que provocou a popularidade do fumo entre as mulheres da Europa. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual um ex-frade franciscano, André Thevet, conseguiu tanto sucesso ao introduzir o tabaco na corte fran­cesa em 1579.11
Thevet pretendia que o tabaco fosse fumado e usado como droga recreativa. Antes disso, o embaixador francês em Portugal, Jean Nicot, tinha experimentado folhas de tabaco picadas em forma de rapé com o objetivo de curar enxaqueca. Em 1560, Nicot levou uma amostra de seu rapé para Catarina de Médici, que sofria de enxaquecas crônicas. A rainha ficou entusiasmada com os poderes da planta, e por algum tempo esta ficou conhecida como "Herba Medicea" ou "Herba Catherinea". O rapé de Nicot era feito da Nicotiana rustica, em geral mais tóxica, o clássico tabaco xamânico dos maias. O Nicotiana tabacum de Thevet conquistou a Europa sob forma de cigarro e foi a planta que se tomou a base para a tremendamente importante economia do tabaco que se desenvolveu no Novo Mundo colonial.

CONTRA O TABACO

o tabaco não foi bem recebido por todos. O papa Urbano ordenou a excomunhão de qualquer pessoa que fumasse ou usasse rapé nas igrejas da Espanha. Em 1650 Inocêncio X proibiu o uso de rapé na basílica de São Pedro, sob pena de excomunhão. Os protestantes também condenavam o novo hábito, e foram liderados em seu esforço por ninguém menos do que o rei Jaime I da Inglaterra, cujo inflamado Counterblaste to Tobacco apareceu em 1604:
E agora, bons cidadãos, vamos (eu vos peço) considerar que tipo de honra ou bom senso pode levar-nos a imitar os índios abjetos, especialmente num costume tão vil e malchei­roso. ( ... ) Digo sem corar, (por que) nos degradamos tanto a ponto de imitar esses índios bestiais, escravos dos espanhóis, refugo do mundo, e até agora estranhos ao sagrado Concilio de Deus? Por que não os imitamos também andando nus como eles fazem? ( ... )
Sim, por que não negamos a Deus e adoramos o Diabo, como eles fazem?
Tendo deslanchado essa retórica "reação contrária", no que pode ser visto como o primeiro pontapé da abordagem do tipo" di não", o rei voltou sua atenção a outros assuntos. Oito anos mais tarde um relatório dizia que apenas na cidade de Londres havia nada menos que sete mil tabacarias e vendedores de tabaco! Fumar tabaco e cheirar rapé aconteciam ao nível de uma mania moderna.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ato denuncia despejo em massa no extremo sul de São Paulo

por Danilo Dara no sítio internet da Agência Brasil de Fato

Seu Irineu chegou a São Paulo, ao bairro do Cocaia, há quase 30 anos, fugindo da seca do sertão pernambucano. Constituiu família, construiu sua casa de alvenaria com suas próprias mãos, o que lhe deixava orgulhoso. Junto à esposa, criou seus oito filhos, “à custa de muito trabalho e sacrifício”. Numa quinta-feira no início de 2009, recebeu a visita de uma pessoa que se dizia assistente social da prefeitura, e que prometia benfeitorias para a comunidade. Seu Irineu conta que ela pegou seu nome, documentos, e “disse que eu devia assinar um cadastro. Era muito simpática a moça, de fala bonita”. Menos de uma semana depois, viu uma agitação, um falatório, uma aglomeração. Aproximou-se, e lá estava a mesma mulher num palanque, dizendo para todas as pessoas, reunidas num campinho de futebol enlameado, que eram obrigadas a deixar suas casas num prazo de dez dias, que eram invasores, que tudo ali seria derrubado. “E como fica nossa situação?”, questionou seu Irineu. “'Um cheque de 8 mil reais: é isso, ou sair sem nada!', foi o que disse amulher”, relembra Irineu. Ele conta ter visto muitos moradores confusos, os quais, com medo, aceitaram o cheque que já vinha com o nome de cada um, assinado pelo “Consórcio Santa Bárbara”. “'A prefeitura queria dar só 5mil, mas a empreiteira deu mais 3 mil para não ter problema; é pegar ou largar!', pressionava a mulher”. Seu Irineu pegou e, cinco dias depois, tinha em mãos diversas passagens rodoviárias: sem alternativa, iria mandar toda sua família de volta para sua terra natal, em Pernambuco. Todos, menos ele, porque o dinheiro não dava para a mudança e passagem de todo mundo. “Vou morar de favor, até conseguir comprar minha passagem”, conclui.

Situação limite

Esta é a situação de milhares de famílias do Cocaia, do Gaivotas, do Cantinho do Céu e de outras tantas comunidades localizadas nos distritos do Grajaú e Capela do Socorro, no extremo sul da zona sul de São Paulo. A grande maioria delas, muito próximas às represas Billings e Guarapiranga. Comunidades constituídas por dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, tendo visto negados os seus direitos mais elementares, desde sempre batalharam pela sobrevivência e por uma vida digna para si e para suas famílias, entre seus bairros periféricos e a busca de perspectivas no centro da cidade. São mulheres, homens, crianças e idosos fadados a uma difícil sina, geralmente demarcada pela origem nordestina e a cor escura da pele: a condenação a diversos tipos de exploração na megalópole paulistana ou, quando deixam de dar lucro às empresas, e a especulação imobiliária torna-se um negócio mais vantajoso na região onde vivem, são expulsos para regiões cada vez mais periféricas e precárias. Em resposta à essa situação, muitos moradores e apoiadores estão fazendo hoje (13) uma manifestação política na Av. Dona Belmira Marin, uma das principais da região, e um ato em frente à Subprefeitura da Capela do Socorro. Parte dessas famílias já havia sido expulsa, nos mesmos termos, das regiões onde se consolidaram as grandes operações urbanas Faria Lima, Vila Olímpia, Águas Espraiadas, localizadas ao longo de todo milionário eixo sudoeste da cidade. Os argumentos geralmente são os mesmos: invasores que não têm direito às suas casas (muitas vezes com décadas e décadas de uso capião), muito menos podem atrapalhar os empreendimentos imobiliários. No caso do extremo sul, a ênfase retórica recai sobre dois outros argumentos, cada vez mais em voga: morar em área de risco e de proteção ambiental. Em relação a esse problema, diversos urbanistas e movimentos sociais da cidade apontam que a solução seria uma verdadeira reforma urbana, com planejamento para a cidade como um todo, investimento em infra-estrutura e habitação social, e não a expulsão das famílias lhes dando em troca um “cheque-despejo” de 5 ou 8 mil reais. Experiências semelhantes demonstraram que, com esse dinheiro, quando muito, ou se consegue adquirir um novo barraco na beira de (outra) represa, numa área mais distante, ou a passagem de ônibus para nova incerteza no norte, deixando para trás a história construída e os direitos conquistados no sul. É o caso de Seu Irineu e família, e de milhares como ele.

Extremo Sul

Segundo o Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CEDECA) de Interlagos, que atua na região, na prática já são mais de mil famílias sendo despejadas pelo programa de urbanização “Programa Mananciais”, em articulação com a “Operação Defesa das Águas”. Em nota, a entidade denuncia: “o referido programa de urbanização, apesar de possuir em seu orçamento verbas para atender a população que precisa ser retirada dos locais onde mora, apresenta como ação concreta apenas o oferecimento de um cheque de oito mil reais como indenização à cada família. (...) O programa prevê intervenção em 80 comunidades da zona sul de São Paulo. Só no Parque Cocaia I, cerca de mil famílias e, pelo menos, três mil pessoas. Entre elas, são muitas as crianças e os adolescentes que serão deixados na rua”. Não é segredo para ninguém que, dentre os principais financiadores da eleição de Gilberto Kassab para a prefeitura de São Paulo, estavam grandes empreiteiras e incorporadoras do setor imobiliário. Uma das últimas etapas para a preparação do terreno, literalmente, dos tais “projetos de urbanização” chegou há cerca de um mês no Parque Cocaia I (na parte chamada Jardim Toca): o ultimato para saída dos barracos. Muitos moradores do bairro receberam um prazo de dez dias para que se retirassem de suas casas. Esse prazo, para muitas dessas famílias, se encerra amanhã, dia 14 de março de 2009.
(Colaboraram Gustavo Mello e Rodrigo Gomes)

link para postagem original:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/agencia/nacional/manifestacao-denuncia-despejo-em-massa-no-extremo-sul-de-sao-paulo

quinta-feira, 5 de março de 2009

Mulheres Pagam Caro pela Crise

por Patrícia Benvenuti no sítio internet do Jornal Brasil de Fato

Junto com negros e mulatos, as mulheres estão entre os segmentos mais afetados pela crise financeira mundial. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na média de 2008, as mulheres representaram 58,1% do total de desempregados. Em dezembro, quando a crise já estava em curso, esse percentual ficou em 58,4%. Em 2003, por exemplo, as mulheres eram 54,6% das pessoas sem postos de trabalho.
Para evitar que não apenas as mulheres, mas que todos os trabalhadores paguem um preço ainda maior pela crise, entidades feministas, sindicais e movimentos sociais escolheram o tema como o principal pilar das lutas do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres. Com o mote "Nós não vamos pagar por esta crise! Mulheres livres! Povos soberanos!", militantes de 40 organizações sairão às ruas no próximo domingo (08), em São Paulo, para protestar contra o modelo capitalista e exigir igualdade de direitos, liberdade e autonomia.

Mais desigualdade
A jornalista Maira Kubik Mano, integrante da Secretaria de Mulheres do Psol/SP, aponta que, historicamente, no capitalismo, as mulheres estão ligadas a condições de trabalho precarizadas, que se refletem em jornadas longas, salários mais baixos e escassos direitos adquiridos. Com a crise, no entanto, a perspectiva é de uma deterioração ainda maior para as trabalhadoras. "Já deveria ter sido mudada essa questão da divisão social do trabalho, e ela se aprofunda com a crise, que atinge primeiro o lado mais frágil da cadeia de produção", analisa.
Nalu Faria, dirigente da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), lembra ainda outra desigualdade relativa à questão de gênero. De acordo com ela, a falta de empregos das mulheres ainda não é encarada com a mesma preocupação que o desemprego dos homens. "Em geral, o desemprego que preocupa as autoridades e os governos é o desemprego masculino. Não se tem a mesma reação com o desemprego das mulheres, que tende inclusive a ser mais invisível", diz.
Além do desemprego e da redução de direitos trabalhistas, a crise gera, para as mulheres, uma sobrecarga de trabalho. De acordo com Maira, o primeiro corte no orçamento doméstico em famílias de classe média e classe média baixa recai em tarefas que a mulher poderia assumir. "Então a mulher volta a tomar conta da casa, volta a tomar conta do filho e fica sobrecarregada em jornadas duplas e triplas de trabalho que já existem mas, muitas vezes, são pioradas, porque elas não terceirizam esse serviço", afirma.

Reforma da previdência
Junto com o apelo por mais investimentos do poder público para o enfrentamento da crise e melhoria das condições de vida dos trabalhadores, a jornada de 8 de Março também repudia a reforma tributária proposta pelo governo federal. Se aprovada, a mudança resultará num corte de 40% do orçamento da seguridade social, causando a perda de 24 bilhões de reais ao ano no orçamento da previdência.
Os prejuízos da reforma, para a representante do Psol, devem recair especialmente sobre as mulheres, que representam 30 dos 40 milhões de brasileiros que são excluídos da previdência. "Isso, com certeza, é uma questão que vai incidir, diretamente, sobre o direito das mulheres porque quando o Estado deixa de garantir direitos sociais como saúde e previdência social, isso acaba se refletindo na divisão sexual do trabalho", avalia.

Aborto legal e seguro
Outra bandeira defendida pelas organizações neste ano é a legalização do aborto, compromisso já assumido pelo governo brasileiro em diversas conferências internacionais. Para a secretária-executiva da Jornada pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, Dulce Xavier, a legalização é um passo fundamental para a democratização da sociedade. "Como um país que lutou pela democracia, precisamos garantir a autonomia das mulheres como uma questão de democracia. Que autonomia é essa que a gente não tem o direito de tomar a decisão sobre o nosso corpo?", questiona.
A legalização do aborto, segundo Dulce, significaria um avanço na saúde pública, na medida em que garantiria um atendimento digno e a preservação da saúde das mulheres. Além disso, a legalização possibilitaria o planejamento familiar. "É uma forma de passar informações para essas mulheres que estão recorrendo ao aborto para que utilizem métodos anticoncepcionais. Se o aborto for atendido em hospital público, a mulher que vai até o hospital vai entrar em contato com a possibilidade de planejamento familiar", argumenta.
Junto com a legalização da prática, as entidades pretendem denunciar a perseguição sofrida pelas mulheres que fizeram aborto. Para Dulce, um caso bastante emblemático em relação à criminalização das mulheres foi o de uma clínica que realizava abortos em Campo Grande (MS), estourada em 2007 após denúncias do Ministério Pùblico.
Com o fechamento, a polícia apreendeu prontuários e fichas de dez mil pacientes que haviam interrompido a gravidez, materiais que serviram para que 1,5 mil mulheres fossem processadas. Mais de 20 delas, até agora, ja foram julgadas e condenadas a prestar serviços comunitários em creches.

Criminalização
A tendência, na avaliação de Dulce, é de que a criminalização se acentue com a instalação da CPI do Aborto no Congresso Nacional. "Essa CPI já nasce a partir da iniciativa de um grupo que não tem disposição para debater todos os temas que estão envolvidos na questão do aborto, é um grupo que tem uma posição clara de criminalização das mulheres", avalia Dulce, que reforça a necessidade de discutir os riscos e as consequencias do aborto clandestino.
O Dia Internacional de Luta das Mulheres em São Paulo terá início às 10h, na Praça Oswaldo Cruz, de onde seguirá, pela Avenida Paulista, até o Parque do Ibirapuera, onde haverá, em frente ao Monumento das Bandeiras, um ato pela legalização do aborto.
A manifestação das mulheres também será um ato de solidariedade com os povos que enfrentam situações de guerra, como os haitianos e os palestinos, e ainda de apoio a países que lutam pela soberania popular, como Paraguai, Equador e Bolívia.

link para postagem original:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/agencia/nacional/mulheres-pagam-caro-pela-crise

domingo, 22 de fevereiro de 2009

De Rabo Preso Com Quem?

por (*)Alípio Freire, no sítio internet do Jornal Brasil de Fato


A criação pelo jornal Folha de S. Paulo (FSP), da expressão “ditabranda” em seu editorial de 17 de fevereiro, para nomear a ditadura imposta com o golpe de 1964 e, em seguida, a agressão aos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato, expressa em nota na seção de cartas da edição de 20 de fevereiro, não podem ser atribuídas apenas aos “maus bofes” de um jovem (?) herdeiro rico, mimado, que se supõe gênio (o que diariamente lhe repete sua corte), que não conhece limites e, portanto, afeito a chiliques.
Embora seja também isso, é muito mais, e só pode ser entendido a partir da história daquele jornal, e no quadro mais amplo do avanço (em nível internacional) das idéias, valores e políticas nazi-fascistas.

Sobre a trajetória do pasquim da Barão de Limeira, vejamos alguns depoimentos:

“Abandono do emprego”

A jornalista Rose Nogueira, presa pelos órgãos de repressão da ditadura no dia 4 de novembro de 1969, quando estava de licença maternidade da FSP, onde trabalhava, conta:
“Vinte e sete anos depois [19997], descubro que fui punida não apenas pela polícia toda-poderosa (...), pela justiça militar (...). Ao buscar, agora, nos arquivos da Folha de S. Paulo a minha ficha funcional, descubro que, em 9 de dezembro de 1969, quando estava presa no Deops, incomunicável, ‘abandonei’ meu emprego de repórter do jornal. Escrito a mão, no alto: ABANDONO. E uma observação oficial: Dispensada de acordo com o artigo 482 – letra ‘i’ da CLT abandono de emprego’. Por que essa data, 9 de dezembro? Ela coincide exatamente com esse período mais negro, já que eles me ‘esqueceram´por um mês na cela’. (...) Todos sabiam que eu estava lá (...) Isso era – e continua sendo – ilegal em relação às leis trabalhistas e a qualquer outra lei, mesmo na ditadura dos decretos secretos. Além do mais, nesse período, se estivesse trabalhando, eu estaria em licença maternidade”. (Rose Nogueira, “Em corte seco”, in “Tiradentes um presídio da ditadura”, Coord. Alípio Freire, Izaías Almada e J.A. de Granville-Ponce – Scipione Cultural - 1997).

Palafreneiros da ditadura

O jornalista Mino Carta, em entrevista à AOL, em 2004, quando se completavam 40 anos do golpe, comenta as relações da FSP com a ditadura:
“A Folha de São Paulo não só nunca foi censurada, como emprestava a sua C-14 [carro tipo perua, usado para transportar o jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante]. Isso está mais do que provado. É uma das obras-primas da Folha, porque o senhor Caldeira [Carlos Caldeira Filho], que era sócio do senhor Frias [Octavio Frias de Oliveira], tinha relações muito íntimas com os militares. E hoje você vê esses anúncios da Folha - o jornal desse menino idiota chamado Otavinho [Otavio Frias Filho] - esses anúncios contam de um jeito que parece que a Folha, nos anos de chumbo, sofreu muito, mas não sofreu nada. Quando houve uma mínima pressão, o sr. Frias afastou o Cláudio Abramo da direção do jornal. Digo que foi a "mínima pressão" porque o sr. Frias estava envolvido na pior das candidaturas possíveis, na sucessão do general Geisel. A Folha estava envolvida com o pior, apoiava o Frota [general Sílvio Frota, ministro do Exército no governo Geisel]. O Claudio Abramo foi afastado por isso.“
("A mídia implorava pela intervenção militar" Entrevista com Mino Carta. Por Adriana Souza Silva, da Redação AOL, abril de 2004)

O testemunho da pesquisadora

A historiadora e pesquisadora carioca, doutora Beatriz Kushnir, autora do mais completo trabalho sobre o comportamento da grande mídia comercial durante a ditadura, “Cães de Guarda”, é lembrada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, em sua “Conversa Afiada” de 20 de fevereiro, a propósito da FSP:
“Como demonstrou Beatriz Kushnir (...) a Folha cedia as vans para o Doi-Codi fazer diligências, levar suspeitos para as sessões de tortura e fingir que se tratava de um carro de reportagem em atividade jornalística”. (“Cães de Guarda” – jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1989”, de Beatriz Kushnir, Boitempo Editorial).
Em sua coluna, Amorim reitera ainda a denúncia feita por Mino Carta a respeito do afastamento do jornalista Cláudio Abramo do comando do jornal.
Quanto ao episódio da utilização dos carros da FSP para fins repressivos – como apontam Mino Carta e Paulo Henrique – é fato que consta de diversas publicações e depoimentos. A revista “Teoria & Debate” – da Fundação Perseu Abramo – nos anos 1990, publicou uma carta do ex-preso político e hoje advogado de movimentos populares e causas ligadas aos direitos humanos, Aton Fon Filho, que denuncia exaustivamente essa ligação criminosa.

Um diário oficial da repressão

Mas, não pensem os leitores que a história da empresa Folha da Manhã (propriedade da família Frias), da qual a “Folha de S. Paulo” nos anos da ditadura era apenas um título (ainda que o carro chefe), num conjunto que somava mais de meia dúzia de outros, como os jornais “Última Hora”, “Noticias Populares”, “Folha de Santos”, etc., sem esquecermos, é claro, a menina-dos-olhos da repressão, a “Folha da Tarde”.
A “Folha da Tarde” (FT) é um capítulo à parte. Algo assim, como se a FSP coubesse em “obras escolhidas” e ela, a FT, merecesse “obras completas”. Até 1968 esse jornal cobria de forma razoavelmente decente o movimento estudantil, e outras manifestações de oposição à ditadura. Contava com uma equipe formada, em sua maioria esmagadora, de bons e sérios profissionais – muitos dos quais acabariam posteriormente presos, como o caso da jornalista Rose Nogueira. Na ocasião, o logotipo do jornal era vermelho. Passados alguns meses da decretação do Ato Institucional Número 5, de repente, não apenas o logotipo foi mudado para preto, como sua direção passou a ser composta de pessoas ligadas aos órgãos de repressão, inclusive à famosa Escuderie Le Coc (nome fantasia do Esquadrão da Morte) – o que facilmente qualquer neófito é capaz de perceber, folheando a coleção desse jornal. Também a essa questão se refere, com detalhes, a historiadora Beatriz Kushnir em seu livro “Cães de Guarda”.

Uma ameaça a todos os brasileiros

Dadas essas breves pinceladas sobre a trajetória da Ilustre Folha, cabe chamar a atenção para um importante aspecto que é o verdadeiro significado da nota e da agressão contra os professores Maria Victoria e Comparato: ao atacar tão virulenta e desrespeitosamente essas duas figuras que merecem toda a admiração do nosso povo e de todos os homens e mulheres que lutam por uma sociedade democrática e justa, onde os direitos humanos e todos os direitos dos cidadãos sejam respeitados, o que pretende a Folha de S. Paulo, sua direção, é ameaçar todos os que se oponham à sua visão de mundo e aos seus objetivos.
Aliás, entendemos que caberia ao governador José Serra, seu partido e seus aliados do DEM – de quem a FSP é deslavado cabo eleitoral, transgredindo todas as normas éticas e legislação eleitoral – manifestarem-se publicamente a respeito desse episódio que, sem dúvida alguma, os compromete.

BOX

Reproduzo aqui as cartas enviadas à Folha de S. Paulo, pelos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Comparato, que faço questão de subscrever publicamente.
E no pé, para conhecimento dos leitores, a nota da redação da Folha de São Paulo.

Maria Victoria de Mesquita Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP (São Paulo, SP):
"Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de "ditabranda'? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar "importâncias" e estatísticas. Pelo mesmo critério do editorial da Folha, poderíamos dizer que a escravidão no Brasil foi "doce" se comparada com a de outros países, porque aqui a casa-grande estabelecia laços íntimos com a senzala -que horror!" Alípio Freire

Fábio Konder Comparato, professor universitário aposentado e advogado (São Paulo, SP):
"O leitor Sérgio Pinheiro Lopes tem carradas de razão. O autor do vergonhoso editorial de 17 de fevereiro, bem como o diretor que o aprovou, deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro, cuja dignidade foi descaradamente enxovalhada. Podemos brincar com tudo, menos com o respeito devido à pessoa humana." Alípio Freire

Nota da Redação - A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua "indignação" é obviamente cínica e mentirosa.


(*)Alípio Freire,
jornalista e escritor, foi presidente da Associação Brasileira de Imprensa – Seção São Paulo (1978-1979), e editor de Política Internacional da Folha de S. Paulo (1977-1979). Preso político (1969-1974), pertence hoje aos conselhos editoriais do jornal Brasil de Fato, da Editora Expressão Popular e da Revista Fórum, além de integrar o Conselho Político da revista Teoria & Debate. Colabora ainda com diversas publicações populares e de esquerda.

link para publicação original, sem a parte "BOX":
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/agencia/nacional/de-rabo-preso-com-quem

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Bolívia, uma lição de democracia

Senti-me a testemunhar um acontecimento histórico, um dos mais consistentes exercícios de democracia de alta intensidade do nosso tempo. Há muito não assistia a um ato eleitoral com tamanha participação (mais de 80%), tão intensamente vivido como festa democrática, tão bem preparado do ponto de vista logístico e de capacitação eleitoral.
O referendo foi uma lição de democracia dada por um povo que mostrou uma vocação extraordinária para submeter à vontade popular as decisões políticas mais transcendentes.
Apesar de dramático, esse não foi um acontecimento isolado. A América Latina está se revelando o continente em que a democracia é mais levada a sério pelas classes populares e onde estão sendo realizadas as experiências mais consistentes de complementaridade entre democracia representativa e democracia participativa. É um processo histórico rico, mas também contraditório e cheio de riscos. Identifico dois principais.
O primeiro risco diz respeito à relação sempre tensa entre democracia e justiça social. Aqueles que há anos se alarmaram com um inquérito do Pnud que declarava os latino-americanos prontos a sacrificar a democracia por uma ditadura que lhes garantisse algum bem-estar terão de rever a sua posição: se lhes for dada uma alternativa democrática credível, os latino-americanos abraçam-na com entusiasmo na expectativa de que seja geradora de justiça social. E se tal não acontecer?
Aqui reside o primeiro risco: altas expectativas conduzem a grandes frustrações, e os resultados são imprevisíveis. Esse risco é tanto mais sério na Bolívia quanto as duas perguntas do referendo estavam centradas numa idéia forte de justiça social, com dimensões históricas, culturais e étnicas. Os dados divulgados ontem pela Corte Nacional Eleitoral indicaram que 61% dos bolivianos votaram a favor da nova Constituição e 80% a favor de 5.000 hectares como limite máximo da propriedade da terra.
Estamos perante um novo constitucionalismo, um constitucionalismo transformador que assenta mais na iniciativa popular do que na das elites, que celebra a diversidade cultural étnica e racial dos países em vez de ter destes uma visão supostamente homogênea e sempre redutora.
Mas toda essa energia cidadã -designada "revolução cidadã" no Equador-, sendo suficientemente forte para produzir textos constitucionais inovadores, será igualmente forte para transformá-los em realidade? Se não for, o risco é grande.
O segundo risco reside na capacidade de o processo constituinte criar uma nova hegemonia democrática que neutralize a pulsão golpista, tão evidente no primeiro semestre de 2008. O potencial redistributivo da nova Constituição afeta a classe economicamente dominante, que não parece disposta a abrir mão dos seus privilégios. A oposição boliviana está hoje dividida entre um setor que vê em Evo Morales um adversário a derrotar nas urnas e outro que o vê como um inimigo, para mais índio, a abater por qualquer meio.
O governo de Evo Morales tem mostrado enorme disponibilidade para a negociação. Para dar um exemplo, diferentemente da Constituição aprovada pela Assembleia Constituinte em dezembro de 2007, a nova Constituição, saída das negociações no Congresso em outubro passado, não se aplica retroativamente no que respeita ao tamanho máximo da propriedade fundiária. A grande propriedade existente, desde que produtivamente utilizada, não será afetada (tal como no Brasil).
Apesar disso, o segundo risco (o do colapso da democracia) é real, e, para neutralizá-lo, a Bolívia precisa do apoio regional.
O Brasil é aqui um protagonista potencial. Enquanto o apoio da Venezuela, nos termos em que tem ocorrido, é visto como uma interferência ilegítima, mesmo por muitos apoiantes de Evo Morales, o apoio do Brasil é visto com gratidão, mesmo que vigilante. Por quê?
Porque, devido a uma combinação virtuosa entre diplomacia sábia e interesses econômicos, o Brasil tem credibilidade tanto com o governo, na medida em que apoia sem reservas o processo democrático em curso, quanto com a oposição democrática, que precisa se fortalecer ante sua facção mais extremista e antidemocrática. Esse capital de mediação não pode ser desperdiçado pelo Brasil.

* Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

link para publicação original:
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=50407

Soberania x Patentes, um debate sobre vida e morte

por João Manoel de Oliveira

O Tripanavir é um medicamento com bons resultados no tratamento da Aids. Mas não tem registro de patente no Brasil e, portanto, não pode ser comercializado em território nacional, porque a indústria que o fabrica, a alemã Boehringer Ingelheim, não tem interesse no mercado verde-amarelo. Suprema ironia: antes de ser lançado, o Tripanavir foi testado em brasileiros. Se isto acontece num país como o Brasil, onde o combate à Aids até ganhou prêmios da Organização Mundial da Saúde, imagine-se, então, o drama vivido na África, continente em que o HIV tornou-se epidêmico. O convite a esta reflexão foi feito no Fórum Social de Belém pelo indiano Amit Sen Gupta, secretário geral da All Índia Peoples Science Network and Delhi Science.“O tema central deste debate é o controle sobre a vida e a morte feito pelas indústrias farmacêuticas. E não é trivial, já que estamos falando da segunda maior indústria do mundo, só perdendo para a indústria da guerra. E por falar em guerra, nem os exércitos de Israel na Palestina, nem os dos Estados Unidos no Iraque, matam mais do que a indústria farmacêutica na África,” disse Amit durante o debate “Patentes X Soberania”, promovido pela Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar).Velho conhecido dos altermundistas, Amit já participou das edições do FSM em Porto Alegre, é integrante do Conselho do Fórum Social Asiático e coordena uma organização que visa aproximação entre a ciência e o povo. Sua análise sobre a questão das patentes vai além do aspecto comercial. “O que acontece quando o conhecimento se torna propriedade de alguém, como é o caso de uma patente? Imaginemos uma casa... Quando se divide uma casa, ela diminui. Já com o conhecimento, quando se compartilha, ele fica maior. É assim que deveríamos pensar a questão das patentes de medicamentos uma vez que qualquer fármaco é resultado de acúmulo de conhecimento.”Amit lembra que só nos últimos 100 anos é que o conhecimento vem sendo tratado como propriedade. “Isto foi feito pelo liberalismo, pelo capitalismo. No fundo, estamos falando de controle e dominação, de monopólio, de poder de poucos sobre muitos. O patenteamento nada mais é do que uma forma mais sofisticada de colonização”.Renata Reis, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), concorda. Segundo ela, há uma feroz disputa sobre a propriedade intelectual quando o que está em jogo são coisas como computadores, softwares, microeletrônicos, produtos químicos, biotecnologia e farmacêuticos. “Como quem detém o conhecimento nestas áreas são grandes corporações econômicas, a pressão pelo patenteamento é enorme sobre os governos.”Até 1994, segundo Renata, nenhum país era obrigado a reconhecer patentes farmacêuticas. Mas com a entrada da Organização Mundial de Comércio (OMC) em cena, o lobby empresarial - no campo dos remédios exercido pelos laboratórios internacionais - sobre os governos, fez com que se estabelecesse um acordo mundial para que todas as nações criassem suas próprias leis de patentes. No Brasil, um projeto de lei de propriedade intelectual foi enviado ao Congresso pelo então presidente Fernando Collor. Apesar da forte reação de sindicatos e movimentos populares que conseguiram retardar a medida, a lei acabou aprovada no Congreso e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.“Somos contra o patenteamento da vida e a Lei de Patentes, em última análise, permite isso. O medicamento é um produto de saúde e a farmácia é um organismo de saúde. Não podem, simplesmente, ser transformados em mercadoria e comércio”, diz Célia Gervásio, presidente da Fenafar. Para a federação, o problema está no fato de que, com a Lei de Patentes, o país passou a reconhecer patentes publicadas em outros países sem análise técnica prévia e sem avaliação e autorização da Anvisa por um estatuto conhecido como “patentes pipelines”. A Fenafar não se conformou e, em 2007, juntamente com a Rebrip, ingressou com uma representação junto à Procuradoria Geral da República pedindo a inconstitucionalidade dos artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial que instituíram o mecanismo de concessão de patentes pipeline. A representação destaca que estes artigos ferem, entre outros, os princípios constitucionais de supremacia do interesse social e da busca do desenvolvimento tecnológico e econômico.“É um luta em defesa da saúde, mas é, sobretudo, uma luta em defesa da soberania”, diz Célia. Justamente aí, na questão da soberania, no direito de um país de garantir o acesso universal aos medicamentos ou a qualquer outro produto ou forma de conhecimento que seja vital para a vida de seu povo, que se encontram os objetivos e os argumento de Fenafar, da Rebrip e de Amit Sen Grupa. Mas isto só será alcançado, segundo eles, quando os governos se unirem não apenas para a formação de alianças comerciais como na OMC, mas para ampliarem as pesquisas e cooperarem entre si a ponto de fazer frente aos lobbies empresariais. No caso dos medicamentos, por exemplo, a integração do Brasil com Índia de Amit (conhecida como a farmácia genérica do mundo por ter apostado fortemente em pesquisa pública de remédios), pode, quem sabe, garantir que mesmo sem o Tripanavir da Boehringer, muitos pacientes com HIV tenham uma longa e qualificada vida.

link para versão original:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15559

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Operação-Serra e a demissão de Nassif

Texto por Altamirano Borges

O abrupto rompimento do seu contrato não teve qualquer explicação. E nem podia. Afinal, por suas posições críticas e independentes, ele é um dos mais respeitados colunistas da mídia, já tendo recebido vários prêmios. No último prêmio Comunique-se, ele foi um dos três jornalistas da TV Cultura indicados para a categoria televisão. O motivo, então, não foi profissional. Nassif insinua que sua demissão se deve à proximidade da sucessão presidencial. "A maluquice das eleições de 2006 voltou antecipadamente", afirma, referindo-se à brutal manipulação no pleito passado.
Silenciando as opiniões críticas
Ele lembra que recentemente criticou a publicidade da Sabesp, empresa paulista de água. "Como pode uma empresa com atuação estadual patrocinar eventos de televisão no Brasil inteiro?". Este e outros comentários críticos, atestando que a campanha presidencial de Serra é ostensiva e usa recursos públicos, devem ter irritado o truculento governador. Para Nassif, há indícios de que a ordem para sua demissão veio de cima. "O Paulo Markun [presidente da Fundação Anchieta, a mantenedora da TV Cultura] não tomaria sozinho essa decisão... Se em dezembro ele acertava ampliar minha participação, é evidente que a mudança de orientação se deve a outros fatos".
A suspensão do contrato de Nassif é um fato grave. Mostra a total falta de independência de uma emissora que deveria ser pública e que hoje serve abertamente ao projeto presidencial de Serra. Mas não é um fato isolado. Além de manietar a TV Cultura, o governador tucano conta hoje com o apoio ostensivo da maioria das emissoras privadas e dos jornalões e revistas do país, fechando o cerco midiático para sua campanha. Está em curso uma operação de limpeza nas redações para aplainar a sua decolagem eleitoral, evitando críticas a sua administração e bajulando o tucano.
Demissão na CBN e clima de medo
Em outubro passado, a Rede Globo demitiu o jornalista Sidney Rezende da rádio CBN. Segundo Rodrigo Viana, que deixou a emissora por discordar das suas manipulações na sucessão de 2006, "Sidney era tido por colegas e ouvintes como jornalista que exercia a sua independência... Na sua demissão se percebem os preparativos para a cobertura das eleições de 2010. O ‘moto-serra' dos tucanos vai passar sobre várias cabeças do jornalismo global. Na CBN, conheço um outro âncora (não darei nome porque ele me pediu sigilo) que teve a sua cabeça pedida pelo governador".
Após estranhar outro facão recente, de Luiz Carlos Braga da sucursal de Brasília, Rodrigo afirma que o clima na Rede Globo "lembra muito a operação-2006. Há dois anos, às vésperas da eleição presidencial, ela se livrou do comentarista Franklin Martins porque este não fechava com a linha oficial de ‘sentar a pancada' em Lula e dar uma ‘mãozinha' aos tucanos. Depois, foram limados outros jornalistas que se indispuseram com a emissora na cobertura das eleições (entre eles, eu, Luiz Carlos Azenha, Carlos Dornelles e o editor de política Marco Aurélio Mello)".
A generosidade da mídia privada
Rodrigo Viana, que há muito tempo trabalha em veículos privados, garante que o presidenciável tucano conta com o total apoio dos barões da mídia. Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo – também apelidado por quem o conhece bem de Ratzinger ou "senhor das trevas" –, não permite que saia uma linha sobre o atual governador paulista sem o seu aval prévio. A mesma rigorosa orientação é imposta pela famíglia Frias, que mantém sólidas e sinistras relações com o tucano-mor desde os tempos em que este foi editorialista da Folha de S.Paulo.
Este conluio explica a generosidade da mídia hegemônica até nos casos mais chocantes – como na "guerra das polícias" no ano passado, quando ela simplesmente isentou o governador paulista de qualquer culpa, ou na desastrosa operação policial do seqüestro e morte de Eloá Pimentel, em Santo André. Ainda segundo Rodrigo Viana, que conhece os bastidores da mídia, "a ordem era proteger o governador. Conversei com três colegas que trabalham na TV Globo de São Paulo e que pedem anonimato. A orientação aos editores era botar no ar trechos imensos da entrevista chapa-branca com o Serra", na qual ele culpou as centrais sindicais pela greve na Polícia Civil.
Coberturas parciais e manipuladas
A "operação-Serra" também fica patente na forma como a mídia trata as obras do governo Lula, sempre tão vigilante, e na total omissão diante dos descalabros da administração paulista. Na semana passada, Folha e Estadão fizeram rasgados elogios às obras do Rodoanel, sem publicar uma crítica ao seu monumental atraso e altos custos. Já as TVs nada falaram sobre a interrupção da concessão das rodovias Ayrton Senna e Marechal Rondon devido às falcatruas nas licitações, ou da suspensão, pelo TCE, das obras na Marginal do Tietê porque o edital estava irregular.
Também é impressionante a bondade da mídia venal diante das graves denúncias do Ministério Público, que investiga quatro contratos no valor de R$ 1 bilhão da Siemens com o governo paulista para construção de três linhas do Metrô. Há suspeitas de superfaturamento e de que a multinacional alemã teria subornado políticos do PSDB. As apurações começaram no rastro de outro inquérito, o que investiga a multinacional francesa Alstom, que teria dado propina para obter contratos com estatais paulistas nos últimos 14 anos de reinado tucano em São Paulo.
Censura chega ao ciberespaço
Sem trabalho na TV Cultura, Luiz Nassif afirma que agora se dedicará ao seu blog, apostando na internet como arma de democratização da informação. Mas também neste campo a fúria de Serra já se faz sentir. Recentemente, a Justiça mandou tirar do ar o blog Flit paralisante, postado pelo delegado da polícia civil Roberto Conde Guerra. O delegado é famoso por suas críticas à política de segurança do tucanato, sendo fonte alternativa de jornalistas. Durante a greve da categoria, ele usou seu blog para convocar protestos e teve 130 mil acessos. Agora, foi censurado pelo "moto-serra". A mídia, que sempre ataca o "autoritarismo" do governo Lula, não alardeou esta censura.
A demissão de Nassif até agora não indignou os jornalistas – alguns que tiveram papel de relevo na luta contra a ditadura e que hoje parecem dóceis serviçais das empresas, preocupados apenas com suas carreiras. Também não houve reação das entidades da categoria – o que é lamentável. Paulo Henrique Amorin, outra vítima de perseguição dos "amigos de Serra" quando foi retirado do ar, sem aviso prévio, do Portal IG, protestou solitariamente. "A TV Cultura de Serrágio (vem do pedágio mais alto do Brasil) não agüentava a independência de Nassif", escreveu no seu blog.

link para a postagem original:
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=49756