quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

AS COTAS PARA NEGROS: POR QUE MUDEI DE OPINIÃO

Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que "antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia". Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária.Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados.Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, "guru dos concursos" e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: "passar um dia na cadeia". Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes.Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular "para negros", aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda.Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de "chão de fábrica", fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele.Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas.Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários "dias na cadeia". Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido.Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem faze-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia "na cadeia". Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa "passar um dia na cadeia" antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.Ah, sim, "os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível", conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que as de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podemos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade.Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco "na cadeia". Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história.Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano "na cadeia" com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora.E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, "O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor."Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.

texto por William Douglas - juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF), especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ), professor e escritor, caucasiano e de olhos azuis.

publicado originalmente em:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/as-cotas-para-negros/

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Declaração da Bahia

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Documento final da Cúpula dos Povos do Sul
Salvador, Bahia, Brasil - 12 a 15 de dezembro de 2008

Representantes de organizações e movimentos sociais da AL e do Caribe, reunidos por ocasião da realização histórica de cinco cúpulas simultâneas de presidentes do Mercosul, União das Nações Sul-americanas (Unasul), da Associação Latino-americana de Integração (Aladi), do Grupo do Rio e da América Latina e Caribe, em Salvador, Bahia.
Assumindo o rumo que marcam os resultados das Cúpulas dos povos realizadas em Posadas 2008, Lima 2008, Santiago do Chile 2007, Cochabamba 2006 e Mar del Plata 2005.
Reafirmando que homens e mulheres da América Latina e Caribe vimos construindo a integração a partir dos povos, avançando na disputa pela profunda transformação do modelo produtivo atual em uma perspectiva soberana, sustentável e justa.
Considerando as mudanças que estão acontecendo no cenário mundial por ocasião do desencadeamento da crise econômica do sistema capitalista, que é produto das políticas neoliberais da globalização que têm levado a humanidade a uma profunda crise energética, alimentar, climática e social e que agora se expressam na crise econômica e financeira.
Observando que sob a condução do atual governo dos Estados Unidos busca-se dividir a região, reeditar a fracassada proposta da Alca e aprofundar os esquemas de livre comércio, abertura aos investimentos, endividamento em vários países e militarização e que a União Européia busca impulsionar políticas similares em nossa região.
Reconhecendo, não obstante, que alguns governos da região iniciaram caminhos alternativos de desenvolvimento propondo novas formas de organização econômica, constatamos a manutenção das políticas neoliberais que têm conduzido muitos povos ao aprofundamento da pobreza, à discriminação e ao abandono da capacidade dos Estados de promover o desenvolvimento econômico e social.

Declaramos:

Assumir o compromisso de aprofundar a integração a partir dos povos, nesse momento histórico de luta e mobilização da América Latina e Caribe, construindo a soberania popular.
Por isso, consideramos que a saída à crise econômica global deve ter como resposta estratégica a integração soberana dos países da região e a construção de uma nova ordem internacional econômica, financeira, baseada na solidariedade, na justiça e no respeito à natureza; que valorize o trabalho e que incentive o direito ao desenvolvimento sustentável dos países do Sul. As Américas que queremos construir na perspectiva dos povos devem fundar-se nos valores de solidariedade, da superação do patriarcado e ser, necessariamente, anti-racista, respeitosa das culturas dos povos originários e da diversidade como um valor a ser defendido. Nesse sentido, saudamos e nos solidarizamos com os processos constitucionais em curso na Bolívia e no Equador. Vemos com satisfação que na região estão sendo impulsionados a autonomia, o fortalecimento dos mercados internos, o abandono do dólar como referência nos câmbios internacionais, a dotação de uma capacidade financeira própria e a mudança de esquemas ilegítimos de endividamentos, como o ilustra o caso da auditoria no Equador. E também o fortalecimento da democracia e da autodeterminação, a não ingerência em assuntos de outros Estados e a busca de uma relação respeitosa e fraterna entre as nações.
Assinalamos com agrado que têm surgido propostas de integração que refletem o sentimento popular de aumentar os laços solidários, a cooperação, o intercâmbio mutuamente benéfico e a superação das iniqüidades.
Ao mesmo tempo, vemos com preocupação que ainda se mantém os esquemas neoliberais e o modelo predatório, mono-produtivo, orientado à exportação de recursos naturais e baseado na construção de mega-projetos dirigidos à consolidação desse modelo que produz incalculáveis prejuízos aos povos originários, às mulheres, às comunidades camponesas, às fontes de água, ao meio ambiente e ao desenvolvimento social; como também se mantém um modelo energético não sustentável.
Assinalamos que a manutenção das políticas de livre comércio é um obstáculo para a integração dos povos, para a justiça social, para a soberania e para a democracia; e que qualquer esforço com vistas a retomar as negociações de liberalização na Organização Mundial do Comércio (OMC) contribuirá para manter a injusta ordem internacional, para aprofundar a crise alimentar e climática, bem como os TLCs e ASPAN (Aliança de Segurança e Prosperidade da América do Norte), que precisam ser rechaçados para que a integração que queremos possa avançar.
Por essas razões, propomos como alternativas a partir dos povos:
1. Vincular o processo de integração à mudança no modelo produtivo, assegurando a soberania alimentar, que somente pode ser alcançada com o aprofundamento de uma Reforma Agrária que permita planejar e controlar a produção de alimentos para atender às necessidades dos povos; revalorizando a cultura agroalimentar dos mesmos, em uma nova organização da vida e das relações no campo e na cidade. A integração deve incluir também a complementaridade das economias e o fomento à produção sustentável. A biodiversidade e o conhecimento tradicional são patrimônio de nossos povos, por isso exigimos o cumprimento do Convênio 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas (da ONU). Assegurar que o uso humano e a preservação das fontes e aquíferos vitais para o abastecimento público estejam em primeiro lugar no ordenamento jurídico e administrativo de nossos países; que seja efetivado um Comitê Latino-Americano e Caribenho para o monitoramento e enfrentamento das causas e consequências do aquecimento global; e que seja garantido aos povos originários e tradicionais o respeito nos processos de desenvolvimento e prioridade na aplicação dos fundos para a reparação das injustiças climáticas que atingem nossos países.
2. Garantir a soberania dos países sobre os bens naturais e suas fontes energéticas, que não poderá ser alcançada em detrimento da soberania alimentar e do meio ambiente e que permita alcançar o bem-estar de seus povos. Chamamos os governos da região a buscar soluções dentro de marcos de justiça e solidariedade ante a demanda do povo paraguaio em torno à renegociação dos Tratados de Itaipu e Yaciretá.
3. Assegurar a primazia dos direitos humanos, a vigência e exigibilidades dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, adotando os instrumentos legais para isso. Exigimos garantir os direitos das/os migrantes e a livre circulação de pessoas e não somente o fluxo de capital e mercadorias. Demandamos o compromisso dos governos em ratificar os Convênios 97 e 143, da OIT e a Convenção da ONU sobre os Direitos dos Trabalhadores e Migrantes e suas Famílias.
4. Considerando que os trabalhadores/as são duramente atingidos pela atual crise do capitalismo com demissões em massa, redução de salários e flexibilização de direitos, exigimos medidas que protejam os interesses do trabalho e façam com que os ricos paguem o preço da crise. Defendemos a redução da jornada de trabalho sem redução de salários; condicionar a liberação de recursos públicos para empresas com dificuldades em manter o nível de emprego; ampliar o seguro desemprego; ratificar e aplicar a Convenção 158 da OIT e proibir as demissões em massa.
5. Denunciar a criminalização das mulheres em sua luta pela autonomia e pelo direito a decidir sobre seus corpos e suas vidas na luta pela legalização do aborto.
6. Por entender que o acesso à saúde pública de qualidade é um direito de todas/os, reivindicamos que os medicamentos e a propriedade intelectual não sejam incluídos na agenda da OMC. Desejamos que os países tenham a possibilidade de construir um modelo alternativo de patentes que sirva a seus povos, e mecanismos de transferência de tecnologia a serviço da soberania popular.
7. O modelo capitalista atual não é capaz de oferecer terra urbana e habitação em localização segura aos trabalhadores/as; denunciamos que o financiamento do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) nas cidades ataca o direito da população ao meio ambiente. Necessitamos da democratização dos espaços públicos das cidades, com políticas intersetoriais de saneamento, esporte e lazer; além da redefinição das prioridades do gasto público orientado a políticas redistributivas.
8. É necessário o fortalecimento da educação como um bem público, social, um direito universal e um dever do Estado. Exigimos a retirada da educação dos acordos da OMC. Reafirmamos a necessidade de uma cooperação e integração tecnológica e científica baseada em valores solidários, justos e soberanos.
9. Demandamos a democratização dos meios de comunicação da América Latina e Caribe.
10. Adverte-se sobre o perigo que representa a IV Frota (imperial) dos Estados Unidos, que ameaça a paz na região; expressamos nosso mais categórico rechaço à presença do Comando Sul em nosso continente. Nos juntamos à exigência do povo haitiano para o imediato processo de retirada de todas as forças armadas estrangeiras. Celebramos a ratificação do Equador para a retirada definitiva da Base de Manta e sua auditoria e demandamos que não se desloque a base do Equador para o Peru. Denunciamos a crescente criminalização e judicialização do protesto social, como também a implementação das chamadas leis antiterroristas e advertimos uma nova ofensiva estadunidense para homologar nosso marco jurídico regional com a Lei Patriota norte-americana.
11. As instituições financeiras multilaterais são as principais responsáveis pelas atuais crises econômica, climática, alimentar e energética. Os povos necessitamos de outras instituições; somente sua reforma significará apenas o aprofundamento da crise e resultará em uma nova etapa de endividamento ilegítimo para nossos países. Reclamamos aos governos da América Latina e do Caribe que se retirem dessas instituições, incluindo o Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI); uma simples reforma no sistema de poder de decisão não superará sua lógica. As dívidas ilegítimas que são cobradas de nossos países já foram pagas várias vezes, e representam um mecanismo de dominação. Exigimos o reconhecimento do direito ao não pagamento e queremos o compromisso dos governos de priorizar os direitos dos povos e da natureza sobre o pagamento da dívida financeira ilegítima. Celebramos o não pagamento da dívida decidido pelo governo equatoriano, respaldado por um processo de auditoria e nos solidarizamos com a intenção de iniciar novos processos no Paraguai, na Bolívia, na Venezuela e a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da dívida no Brasil. Conclamamos os demais governos da região e do mundo a respaldar a ação soberana do governo equatoriano, a empreender iniciativas similares e a avançar na criação de novas instituições, como o Banco do Sul, que podem contribuir na construção de uma nova arquitetura financeira regional e global.
12. Demandamos que os governos reconheçam a dívida ecológica e que destinem recursos para a necessária reparação ambiental.
13. Fortalecer e dotar de ferramentas eficazes e equitativas os processos de integração em curso, buscando sua convergência e superando suas deficiências, especialmente no que se refere a dotá-los de uma institucionalidade operante, de garantias para a superação das assimetrias, de resolução dos conflitos por meio do diálogo e tendo como meta permanente o benefício da população.
14. Pedimos a plena reintegração de Cuba à comunidade latino-americana e caribenha, a eliminação do bloqueio à Ilha e a liberdade para os Cinco Patriotas Cubanos presos injustamente nos cárceres dos Estados Unidos.
15. Exigimos a liberdade e o fim da perseguição das feministas nicaraguenses presas por defender os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
16. Exigimos o fim da criminalização dos movimentos sociais em nossa região.
Chamamos os povos da América Latina e do Caribe à mobilização para avançar na integração regional e na preservação das conquistas realizadas e da democracia, construindo alternativas de mudança social que nos permitam a realização de uma sociedade mais justa, equitativa e soberana.

Salvador, Bahia, Brasil

14 de dezembro de 2008